Título: Famílias têm espaço para aumentar dívidas
Autor: Cristino, Vânia; Otoni, Luciana
Fonte: Correio Braziliense, 01/04/2010, Economia, p. 16

A expansão, segundo o BC, ocorrerá devido ao alongamento do crédito e da alta da renda

As famílias brasileiras ainda têm espaço para aumentar seus níveis de endividamento. Foi o que constatou o Banco Central no relatório trimestral de inflação(1) divulgado ontem. Pela análise da autoridade monetária, o crescimento do crédito para as pessoas físicas nos 12 meses terminados em fevereiro foi de 18,3%, quase quatro vezes o avanço registrado entre as empresas, de 4,9%. O BC projeta que até o fim do ano este aumento deverá alcançar 20%.

Segundo o documento, tamanho incremento se deve, de um lado, ao crescimento contínuo da oferta de crédito e, de outro, ao aumento da renda da população, que se refletiu em melhoria da massa salarial dos trabalhadores. Graças à queda da taxa de juros ao tomador final registrada no período recente e ao aumento dos prazos dos empréstimos, o comprometimento da renda com o pagamento das parcelas caiu de 24,3% em novembro de 2008 (patamar mais alto) para 22% em janeiro deste ano.

¿Há espaço para elevar o endividamento¿, afirmou o novo diretor de Política Econômica do BC, Carlos Hamilton Araújo. Mas questionado sobre o que aconteceria caso as taxas de juros subam, como esperam os profissionais do setor financeiro e como indicou o próprio BC na ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), ele se esquivou. ¿Não tenho elementos para dizer o que vai acontecer se houver mudança na política monetária¿, ponderou. Tudo vai depender, disse ele, do comportamento dos bancos, que tenderão a acomodar de alguma forma a nova situação.

Emprego formal No caso de os juros subirem, o crédito pode ficar mais caro, mas não, necessariamente, inviável para as famílias que poderão contar, por exemplo, com a dilatação dos prazos para melhor acomodar a dívida no orçamento mensal. Por isso, o BC mantém a projeção de crescimento do crédito, como afirmou Hamilton. Pelos dados disponíveis, o crescimento vem sendo puxado pelas pessoas físicas, uma vez que o crédito às empresas ainda sofre os reflexos da crise, sendo em parte compensado pelo crédito direcionado, colocado à disposição das pessoas jurídicas principalmente pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

No relatório trimestral de inflação, os diretores do BC avaliaram que o comércio deverá estimular o crescimento dos empréstimos. ¿O comércio varejista não apenas deverá continuar registrando resultados positivos ao longo dos próximos trimestres, mas, também, a expansão deverá se intensificar¿, destacou o documento. Por isso mesmo, com o aumento das vendas, puxada pela recuperação do emprego formal, o crédito às pessoas físicas tenderá a manter seu dinamismo. Para o BC, esses dois fatores devem compensar com sobras o fim dos benefícios fiscais dados pelo governo durante a crise mundial.

A massa salarial ampliada, que, além dos salários da iniciativa privada, leva em conta o ganhos dos servidores públicos e os benefícios da previdência social e do Bolsa Família, cresceu 4,7% em termos reais em 2009. Com isso, as vendas no varejo dispararam ¿ crescimento de 6,2% em 12 meses ¿ com o consumo das famílias retornando ao patamar de antes da crise.

1 - Avaliação Desde junho de 1999, quando o governo instituiu o sistema de metas de inflação, o decreto presidencial determinou ao Banco Central divulgar, até o último dia de cada trimestre civil, o Relatório de Inflação. Nesse documento, a autoridade monetária precisa avaliar o desempenho do regime de metas para a inflação e os resultados das decisões passadas de política monetária e as previsões para a inflação, analisando os dados da economia.

Juros renitentes

Deco Bancillon

O consumidor que se aventura no limite do financiamento rotativo de cartões de crédito deve perder a esperança de pagar menos juros para utilizar esse serviço. Ontem, durante audiência pública na Câmara dos Deputados para tratar da regulação do setor, representantes das operadoras deixaram claro que os encargos cobrados dos clientes, que podem chegar a 600% ao ano, permanecerão inalterados, ainda que haja uma regulamentação mais forte do segmento por parte do governo.

A justificativa das empresas é que o modelo de custos do setor tende a punir quem opta pelo rotativo. Como 80% dos clientes quitam as faturas em até 40 dias sem juros, quem paga só parte da dívida acaba financiando as operadoras. ¿Por que, a rigor, temos uma estrutura de juros pouco justa? Porque quase todo mundo paga a tarifa integral do cartão, livrando-se dos juros, e deixando o ônus da carteira e das obrigações para os poucos clientes que não fazem isso¿, afirmou o vice-presidente de Cartões de Crédito do Itaú Unibanco, Márcio de Andrade Schettini.

Segundo ele, o retorno financeiro das empresas no Brasil é equivalente ao de outros países, ainda que lá fora os juros cobrados sejam até 15 vezes menores do que os daqui. ¿O que nós apuramos de margem líquida, ou seja, depois de tirados todos os prejuízos, não é diferente de outros países¿, disse Schettini.

O retorno financeiro do setor é alvo de críticas por parte do Banco Central e de órgãos de defesa da concorrência, como a Secretaria de Direito Econômico (SDE), do Ministério da Justiça, e a Secretaria de Acompanhamento Econômico (Seae), da Fazenda. Para que não tenham os lucros reduzidos, as empresas propõem a autorregulamentação, o que o governo não vê como o mais adequado. O temor é de que uma permissão para o setor decidir as próprias regras reforce ainda mais a polarização na área, com Cielo (ex-Visanet) de um lado e Redecard de outro.

Na visão das empresas, entretanto, existe competição no setor. ¿O objetivo da nossa indústria é fortalecer a concorrência. Pode parecer balela, mas é verdade¿, afirmou o presidente da Cielo, Romulo Dias. Segundo ele, o mercado já está incluindo no preço dos ativos um possível aumento da concorrência. ¿Por isso, as ações da Cielo e da Redecard vêm tendo um desempenho mais baixo que o do Ibovespa (índice que mede a cotação de um conjunto de ações listadas na Bolsa de Valores de São Paulo)¿, justificou.

As empresas ressaltaram a segurança que o produto traz para o lojista, uma vez que o risco do calote é assumido pela operadora. Por isso, argumentaram, o cartão superou o talão de cheques no volume de transações financeiras feitas no país nos últimos anos.