Título: Agenda mínima combina bom senso e pragmatismo
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 09/08/2005, Opinião, p. A10

A economia brasileira continua dando sinais de vigor e mantendo-se afastada da deterioração da situação política do país. Na sexta-feira, quando o o presidente Lula mergulhava em várias reuniões com alguns dos principais empresários do país e as confederações que representam o setor produtivo, o IBGE anunciava um crescimento de 5% da indústria no semestre. Não se tratava apenas de um retrato do passado - os números mostraram um avanço também da produção de máquinas e equipamentos, indicador de expansão dos investimentos privados. O bom desempenho da indústria, revelado após o saldo comercial bater recorde dos recordes e ultrapassar os US$ 5 bilhões em julho, torna por enquanto semântica a discussão da "blindagem" da economia. Enquanto a política econômica não mudar, sinaliza o mercado, não há riscos de eclosão de uma crise, que só poderia ocorrer caso a apuração das denúncias de corrupção cheguem inequivocamente a comprometer o presidente da República. O próprio governo tem tropeçado na retórica. O presidente Lula afirmou que a economia estava vulnerável, poucos dias antes da reunião de sexta, quando o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, afirmou para os empresários que a tal da "blindagem" não se fazia necessária, dada a boa saúde das atividades produtivas. É óbvio que não existe economia que não possa ser atingida por crises e a brasileira está ainda longe de ser inexpugnável. O que os empresários foram fazer no Planalto, no entanto, é propor formas de que ela seja reforçada e de que o processo de crescimento, ainda não abalroado pelos escândalos políticos, possa ser fortalecido no curto e médio prazo - a "agenda mínima", como foi batizada. Seu ponto de partida é o de que há uma série de providências que poderiam ser tomadas de imediato para avançar nas reformas necessárias, tanto no âmbito do Executivo quanto no do Legislativo. Elas saíram de seu curso normal porque o Congresso está paralisado, à espera das averiguações das CPIs e o governo parece ter perdido o rumo diante das denúncias que vitimaram até mesmo alguns dos principais integrantes do "núcleo duro" do Planalto. Há vários pontos positivos na iniciativa. Em primeiro lugar, o que não é comum na história brasileira quando o Executivo se enfraquece, não foi pedido uma chuva de incentivos ou benesses para os empresários. O que se quer, em muitos casos, é apenas a continuidade de uma rota já traçada pelo governo, como o da definição do Fundo Garantidor que permitirá que as Parcerias Público-Privadas saiam do papel - o que ocorreu ontem. Ou então, o aperto maior das contas públicas, com a elevação do superávit primário, via maior ajuste dos gastos correntes. Ainda que não de todo intencional, o governo caminha para um resultado primário bem superior aos 4,25% do PIB previstos no Orçamento. Até junho, o superávit foi de 6,4% do PIB. A execução orçamentária tem privilegiado a contenção de despesas e os valores pagos para investimentos até julho, segundo levantamento do jornal "O Globo", chega a ser inferior ao de 2004 - R$ 853,6 milhões ante R$ 910,4 milhões. Vários pontos propostos pelos empresários necessitam apenas da disposição do Executivo, mas a maior parte da agenda está na dependência da boa vontade dos líderes partidários no Congresso, o que indica que ela poderá ficar no limbo das boas intenções. Do Executivo depende a melhoria da qualidade dos gastos e o já anunciado fim dos cargos cativos para indicações políticas. Da mesma forma, a ele compete regulamentar as leis de Biossegurança e de Inovação e enviar ao Congresso o recém-concluído projeto que reforça o sistema de defesa da concorrência. Carece de realismo a esperança de que a reforma tributária, que colocou os Estados em pé de guerra, possa ser afinal aprovada pelos parlamentares, quando não o foi em um ambiente de concórdia no Congresso. A reforma política, embora pouco plausível agora, tornou-se um imperativo moral com o qual os parlamentares terão de se haver. Para que a agenda possa prosperar, é preciso tentar convencer com insistência os presidentes da Câmara e do Senado. Ainda que ela não vire realidade integralmente, seu maior mérito é o de tentar romper com a paralisia do governo e do Congresso. É inevitável que, no seu início, as CPIs monopolizem as atenções e algemem a vontade política dos parlamentares. Não é razoável nem benéfico ao país, porém, que o Legislativo e o Executivo entreguem-se, atônitos, ao marasmo e deixem de exercer suas funções por um período muito prolongado de tempo.