Título: A burocratização da ação judicial
Autor: Misael Montenegro Filho
Fonte: Valor Econômico, 09/08/2005, Legislação & Tributos, p. E2

"O processo judicial não pode ser um instrumento de descrédito, de desconfiança, sobretudo de frustração"

A ciência jurídica remonta os tempos do início da civilização, atingindo a época da barbárie. Justiça sempre houve em todas as épocas, às vezes em uma forma mais primitiva, às vezes em uma forma mais moderna. Independentemente do tempo histórico, é incontroverso que o processo judicial sempre foi burocratizado, a partir do linguajar dos advogados, dos magistrados e dos demais protagonistas da relação processual, que insistem no uso de vernáculo praticamente incompreensível à luz da sociedade em geral. Desafiamos o homem comum - sem formação jurídica - a ler uma petição inicial ou uma contestação apresentada em uma ação qualquer. Sua compreensão será de 20% ou menos do que se encontra ali escrito. Desde a banca universitária, o estudante recebe ensinamentos no sentido de que uma petição bem formulada deve vir acompanhada de expressões latinas, algumas (muitas) que não são do conhecimento de grande parte da própria comunidade jurídica. No outro conduto de exposição, percebemos que o legislador tem sido infeliz na aprovação de algumas reformas legislativas, grande parte delas criando novos e novos recursos (como se tivéssemos poucas espécies), novas e novas modalidades de defesa, como se as já existentes não fossem registradas em grande número. A ordem de coisas em destaque pode até beneficiar a determinadas pessoas no curso do processo, sobretudo aquelas que pretendem que o mesmo se eternize, evitando que a sentença judicial seja executada de forma efetiva. Contudo, é inegável o prejuízo causado à sociedade civil, que ingressa com ações judiciais no aguardo de uma resposta efetiva, tentando não ver a máxima pregada pelo mestre Rui Barbosa e repetida em letras em várias convenções mundialmente aprovadas, a saber: justiça tardia é sinônimo de injustiça.

Desafiamos o homem comum a ler uma petição inicial de uma ação: sua compreensão será de 20% ou menos do que está ali

O processo não pode ser um instrumento de descrédito, de desconfiança, sobretudo de frustração. Quem integra a comunidade jurídica sabe que processo significa um instrumento de que se utiliza o Estado para pacificar os conflitos de interesses. Essa pacificação só se mostrará possível através da desburocratização da sua forma, além da mudança de comportamento dos operadores do direito, que devem compreender que os verdadeiros protagonistas do processo não são os advogados, os magistrados, os membros do Ministério Público, mas as pessoas físicas ou jurídicas intituladas partes. A desburocratização deve ser garantida em favor dessas pessoas. É evidente que não estamos pregando a adoção de um processo alternativo, desapegado de princípios constitucionais que se qualificam como verdadeiros dogmas, sobressaindo-se o direito de ação, o duplo grau de jurisdição, o princípio do contraditório e da ampla defesa, dentre outros. O que pregamos é uma mudança de comportamento, principalmente dos legisladores e dos membros da comunidade jurídica, permitindo a aplicação de um inciso recentemente encartado no texto da Constituição, afirmando que a todos é assegurada a razoável duração do processo. Sonhar nesse sentido é permitido, fazendo-nos lembrar da lição de Bernard Show: "Olho para as coisas como são e me pergunto por quê? Imagino as coisas como gostaria que fossem e me pergunto por que não?". Pensar em contrário é o mesmo que visualizar o processo como um fim, e não como um meio para a solução dos conflitos de interesses, e continuar incitando o uso do latim em pleno século XXI, que pode se transformar em latido, inaudível para a sociedade em geral.