Título: A crise política e a autofagia petista
Autor: Cristiano Romero
Fonte: Valor Econômico, 10/08/2005, Brasil, p. A2

A autofagia do PT não tem limites. É impressionante a capacidade do partido de piorar o que já é ruim. No momento atual, muito ruim. Foi assim no Caso Waldomiro Diniz, na derrota da eleição municipal em São Paulo, no vexame da disputa para a presidência da Câmara dos Deputados e, agora, no escândalo do valerioduto. Em todos os exemplos da desdita petista, recorreu-se à tese de que o problema, na verdade, não estava no caso em si, mas, claro, na política econômica conduzida pelo ministro Antonio Palocci. É ela, sustentam os petistas, quem solapa a alma "revolucionária" do PT, seus ideais de uma sociedade justa e menos desigual, seu compromisso, inclusive, com a ética na política. Não se faz uma única reunião no PT sem que se ataque a política econômica. O tema está novamente no centro de uma polêmica envolvendo o presidente-interventor do partido, Tarso Genro, e o ex-ministro José Dirceu. Quando passou pelo Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES) e pelo Ministério da Educação, Genro foi um crítico contumaz dos rumos da economia. Em várias ocasiões, tornou públicas suas opiniões. Dirceu também nunca foi um adepto do caminho escolhido pelo governo. Internamente, manifestou suas opiniões. Em alguns momentos, não se segurou e também as tornou públicas. A diferença em relação a Genro é que, no debate interno, Dirceu ajudou Palocci, em mais de uma oportunidade, a convencer o presidente da República a manter o rumo da política econômica. Aparentemente, no confronto com Genro, em que tenta salvar a própria pele dentro do PT, uma vez que a cassação de seu mandato de deputado se mostra inevitável, o ex-ministro apóia-se na política econômica para reagir. Quem diria... Tarso Genro recebeu diretamente do presidente Lula a missão de comandar o PT num momento delicado. Interessado em obter o apoio da esquerda do partido, Tarso tentou abrir espaço para críticas à política econômica, como se estivesse nela o tumor do câncer maligno do qual padece o PT. Preocupado com a atuação de Genro, que ameaçou não dar legenda àqueles que renunciarem ao mandato para fugir da cassação, Dirceu denunciou no governo a manobra do presidente do partido para hostilizar a política econômica. Que confusão! Se foi para o PT com a missão precípua de pacificar a legenda e defender o governo, Genro deveria trabalhar para reconciliar o partido com a política econômica e não o contrário. Fazendo o oposto, ameaça deixar o presidente da República sozinho no meio da praça. Lula tem recorrido aos sindicalistas e ao povo simples para se sustentar, mas não pode prescindir da única área de seu governo que produz resultados. A política econômica é o único ativo do governo Lula. É o solitário pilar que o ainda mantém de pé. Sem seus resultados, difíceis, custosos, mas, enfim, reais, imagine-se a situação em que estariam o próprio governo e a nação diante da barafunda provocada pelas revelações das CPIs. Os petistas insistem em ignorar esse fato.

PT não se reconcilia com política econômica

A relativa calmaria com que os mercados têm reagido à crise política até o momento é explicada apenas pela economia. E só. Quando, num arroubo populista, ameaçou incitar as massas a se mobilizarem contra as elites em defesa de seu mandato, o presidente Lula protagonizou o único momento da crise que deixou o mercado ouriçado. Havia razões para isso. A mensagem sub-reptícia do presidente era a de que, se as elites insistissem em subtrair parte do mandato que lhe resta, ele mexeria no modelo econômico que tanta alegria trouxe a essas mesmas elites. Um raciocínio um tanto rastaqüera, suicida e autoritário, mas ainda assim cheio de simbolismos. Um blefe, enfim. "O mercado percebeu (poucos dias depois) que aquilo era mais uma tática política e não algo para se levar às últimas conseqüências, do ponto de vista da política econômica. Era uma estratégia do presidente para voltar-se à base de apoio popular que ele tem. Uma estratégia eleitoral", explica o ex-presidente do Banco Central Gustavo Loyola, hoje sócio da Tendências Consultoria. Loyola diz que, no mercado, não se aposta no impeachment de um presidente que ainda tem popularidade alta e apoio político. Somente novas revelações que o aproximassem ainda mais do esquema PT-Valério poderiam mudar essa percepção, mas as CPIs, sustenta o ex-presidente do BC, têm frustrado expectativas nessa direção. "Os depoimentos têm sido verdadeiros fiascos, do ponto de vista da revelação de fatos novos. E as investigações, que poderiam trazer essas revelações, sofrem de uma certa falta de objetividade. Há muitos boatos e eles não são comprovados", observa Loyola. "Há a percepção no mercado de que não adianta esperar o pior porque o pior não virá." O principal efeito da crise política sobre a economia até agora tem sido o de esfriar os ânimos dos empresários quanto a uma retomada forte da atividade, após a desaceleração iniciada em meados do ano passado. Os investimentos, embora estejam fluindo, não deverão acontecer na medida esperada. Além disso, Loyola lembra que, embora tenha conduzido desde o início uma política macroeconômica responsável, o governo Lula falhou no resto. De fato, a gestão petista se aproxima do fim de seu terceiro ano patinando em inúmeras áreas. "O governo fez uma política macroeconômica boa, mas não transmitiu claramente um sinal aos investidores de mudanças institucionais. O Brasil não se aproveita de um momento externo favorável para alavancar o crescimento", lamenta o ex-presidente do BC. "Quando for analisado no futuro, acredito que o governo Lula será considerado no máximo regular. Herdou mudanças importantes do governo FHC, aproveitou-se de um ambiente externo favorável, manteve a política econômica responsável, mas não fez muito mais do que isso. Houve problemas em praticamente todas as outras políticas."