Título: Valério diz que empréstimos foram similares aos do PSDB
Autor: Maria Lúcia Delgado
Fonte: Valor Econômico, 10/08/2005, Política, p. A8

Crise Empresário considera Dirceu seu "inimigo", ataca Duda Mendonça e Nizan Guanaes e mostra lista

Sob a alegação de que é "prática normal" as agências de propaganda darem apoio a políticos durante as campanhas eleitorais e herdarem, logo em seguida, as maiores contas desses respectivos governos, o empresário Marcos Valério Fernandes de Souza, em depoimento ontem à CPI Mista do Mensalão, comprometeu a cúpula do PT, especialmente o ex-ministro José Dirceu, fez ataques a adversários de peso no setor - Duda Mendonça e Nizan Guanaes - e classificou de "similares" as operações financeiras (empréstimos) que fez para o PT e PSDB no Banco Rural e BMG para saldar dívidas de campanhas. Para Valério, Dirceu hoje é seu "inimigo", "arrogante", "amigo de ninguém". De suas empresas, afirmou, não saiu "nenhum centavo" para ministros ou para o presidente da República. Ele apresentou à CPI - duas listas de políticos e dirigentes partidários - já enviadas à Procuradoria Geral da República - que receberam dinheiro de suas empresas. Numa constam nomes de 75 pessoas que sacaram dinheiro das contas de sua empresa (SMP&B) em 1998, quando trabalhou para o PSDB. Parlamentares do PT fizeram insinuações durante o depoimento de vinculação da SMP&B com o governador Aécio Neves. Valério disse não ter informações. Na outra lista que entregou constam 31 nomes já citados no atual esquema envolvendo o PT, referente a dívidas de campanhas de 2002 e 2004. "Para mim, não existe mensalão. Existem acordos políticos, compromissos financeiros (de campanhas) que foram pagos. Não para votação, não para pagar emenda, mas para (parlamentares) pagarem despesas inerentes de campanha", disse Valério, acrescentando que não aceita o rótulo de "operador do mensalão", que lhe foi imposto pelo deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ). O deputado, enfatizou ele, "não merece o menor respeito". Valério disse ainda que Jefferson vivia "pressionando" o ex-tesoureiro do PTB Emerson Palmieri a arrumar dinheiro para o partido, pelo IRB. O esquema, acrescentou, seria organizado pelo genro de Jefferson, Marcus Vinícius de Vasconcelos Ferreira. O empresário relatou que no início deste ano esteve na sede do PT, em Brasília, para reunir-se com o então tesoureiro Delúbio Soares. O petista conversava com Jefferson. Após a saída do deputado, Delúbio, pálido, teria dito: "Vamos ter problemas com o Roberto Jefferson". Valério garantiu que fez seis empréstimos ao PT, cujo valor total é de R$ 55.217.271,02. Já o montante de saques totaliza R$ 55.841.227,81. Em valores corrigidos, disse ele, o PT lhe deve aproximadamente R$ 100 milhões. Valério reiterou que fez os empréstimos a pedido de Delúbio Soares. "O PT, de acordo com a informação do Delúbio, teria uma arrecadação de R$ 50 milhões e iria dobrar isso com a participação de novos elementos no governo federal. Além disso, tinha o aval do senhor Delúbio. O Delúbio cansou de me falar que o José Dirceu sabia das operações", afirmou Valério. O ex-tesoureiro, disse ele, "mantinha a cúpula do PT informada" das operações. "Acho que o Silvio Pereira sabia, o Marcelo Sereno sabia, e o José Dirceu sabia", afirmou. Valério inocentou o ex-presidente do PT José Genoino e Lula. À CPI Mista dos Correios o empresário entregou uma listagem de 11 contratos de empréstimos de suas empresas para o PT. Ontem, Valério explicou de fato foram feitos seis empréstimos, mas que alguns foram renovados, com juros acrescidos e, por isso, haveria tal desencontro de informações. Perícia do Ministério Público Federal nas operações revela que de 2000 a 2005 a SMP&B teria feito, no Banco Rural, empréstimos que totalizam R$ 210 milhões. Valério contestou a informação. Ele disse que entrega hoje toda a contabilidade das empresas à Procuradoria e à CPI para comprovar que os valores dos empréstimos são os que declara, que coincidem com os dos saques. Ele negou ter movimentações financeiras no exterior ou em paraísos fiscais. Para os parlamentares, as operações financeiras envolvendo as empresas de Valério parecem cada vez mais anormais. Ontem, ele forneceu novos ingredientes das operações que levantaram suspeição. Informou, por exemplo, que após ter feito uma série de empréstimos para o PT no Rural e BMG, os bancos receberam uma "carta" informal de Delúbio, que funcionaria como garantia. A cópia de uma carta, feita ao BMG, foi entregue à CPI. A outra, disse ele, está no cofre do Rural. O empresário disse que se os bancos "começaram a renovar os empréstimos sem cobrar juro" é porque sabiam de onde vinha a garantia. Sobre as operações em Minas, admitiu que "o governo do Estado assinou (os empréstimos) como cedente de direitos creditórios", o que considera "operação corriqueira no mercado". Apesar de dizer que está arrependido, que foi "idiota" e fez "uma burrice", Valério apresentou uma justificativa para ter feito empréstimos a partidos: "Há um certo receio de que se você fala não, poderia ser prejudicado. A DM9 (de Nizan Guanaes) fez a campanha de Fernando Henrique e atendeu as melhores contas do governo dele. O Duda Mendonça fez a campanha do Lula e atende as melhores contas deste governo". Valério confirmou o saque de R$ 15,5 milhões para Duda. Os saques, afirmou, foram feitos por David Rodrigues, por ordem de Zilmar Silveira (sócia de Duda). Em 1998, disse Valério, Duda recebeu R$ 4,5 milhões em saques da SMP&B, por ter feito a campanha de Eduardo Azeredo. O empresário esclareceu ainda à CPI os contatos que teve com Dirceu na Casa Civil e as viagens que fez a Portugal, mas negou ter se apresentado como consultor do governo brasileiro. Foi à Casa Civil quatro vezes, para tratar de assuntos comerciais, acompanhando dirigentes de bancos ou da Usiminas. Um dos encontros foi marcado por Delúbio, e contou com a presença de Ricardo Espírito Santo, do banco português Espírito Santo (BES). Na primeira viagem a Portugal, queria se apresentar ao presidente da Portugal Telecom, Miguel Horta e Costa, por intermédio do banqueiro Ângelo Calmon de Sá. Os rumores, disse ele, era de que a PT compraria a Telemig Celular, atendida pela DNA Propaganda. Revelou que temia uma transferência da conta para Nizan Guanaes, que já atendia a Vivo. Viajou outras duas vezes a Lisboa, para contatos com Horta e Costa. Na quarta vez, foi com Palmieri e Rogério Tolentino, mas falou sozinho com o presidente da PT. Palmieri, disse, viajou com ele para fugir das pressões de Jefferson, e não para angariar recursos para o PTB, versão sustentada pelo deputado. Valério negou ser "testa de ferro" de Daniel Dantas, do Opportunity. No entanto, considera que o fato de a Brasil Telecom ter fechado um contrato de R$ 200 milhões com Duda Mendonça foi uma forma de o empresário se aproximar do governo e do PT. (Colaboraram Jaqueline Paiva, Thiago Vitale Jayme e Ricardo Balthazar)