Título: Cade inicia hoje julgamento do caso Vale
Autor: Vera Saavedra Durão, Francisco Góes e Juliano Basi
Fonte: Valor Econômico, 10/08/2005, Empresas &, p. B8

Concorrência Mineradora é acusada por siderúrgicas de concentração de poder na produção e transporte de minério

O Cade inicia hoje o julgamento de um dos maiores casos de disputa concorrencial da sua história. A briga envolve dois grandes setores da economia brasileira e companhias de peso. As siderúrgicas nacionais, através do Instituto Brasileiro de Siderurgia (IBS), aproveitaram um parecer da Secretaria de Direito Econômico (SDE) do Ministério da Justiça, divulgado em janeiro, para tornar pública as criticas que já eram feitas à atuação da Companhia Vale do Rio Doce. Após o descruzamento de participações cruzadas entre a Vale a a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), em 2001, a mineradora ampliou seu poder na produção e transporte de minério de ferro. Ela comprou uma série de mineradoras e ampliou sua participação nas ferrovias que transportam minério. As siderúrgicas vinham acompanhando com preocupação a movimentação da Vale e aproveitaram o parecer da SDE para esquentar a disputa. Em abril, a Procuradoria do Cade divulgou um parecer sugerindo uma série de restrições à Vale. A mineradora reagiu e deu início a um tiroteio entre os setores, com destaque para a CSN do lado das siderúrgica. Existem dois cenários prováveis para o julgamento e ambos passam pela imposição de condições. O primeiro é o Cade impor "remédios" viáveis à Vale. Este cenário contemplaria a venda do excedente de minério da Casa de Pedra, de propriedade da CSN, apenas para o mercado externo e a esterilização dos direitos políticos da Vale na MRS superiores a 20%. A Vale continuaria com os 38% que detém na MRS, mas votaria como se tivesse apenas 20%. Isso significaria, na prática, que a companhia deixaria de eleger dois membros do conselho de administração e o poder de veto seria estendido a todos os acionistas. Se chegar a essa equação, são grandes as chances de o Cade evitar uma disputa com a Vale na Justiça. Já o segundo cenário abarca restrições que levariam a companhia à Justiça: a perda do excedente da Casa de Pedra, redução de 18% ou até do total das ações da companhia na MRS, a criação de uma subsidiária para administrar a Estrada de Ferro Vitória-Minas e a venda de alguma mineradoras. A Vale já reiterou que não está disposta a perder parte de sua participação na MRS, pois trata-se de um investimento estratégico. A Vale é responsável por 80% da geração de caixa e por 65% da produção da MRS, calcula o advogado da companhia, Bolívar Moura Rocha. O excedente de minério produzido em Casa de Pedra também é considerado essencial. A Vale pretende pedir indenização na Justiça, caso perca o excedente. As apostas em torno do julgamento são muitas no mercado. Para os torcedores da mineradora o resultado será três a três com o exercício do voto de minerva da presidente do Cade, Elizabeth Farina, considerado uma incógnita. Os que se postam do lado da CSN acreditam numa vitória da siderúrgica por quatro a dois. O certo é que não haverá resultado "monobloco" (sem restrições) como atesta uma fonte, ou seja, a Vale não sairá ilesa desse confronto. O Valor apurou que até ontem o presidente da mineradora, Roger Agnelli, ainda mantinha contato com a presidente do Cade. Agnelli é encarado pelo mercado como "linha dura", pois não aceita que a Vale perca ativos e nem sua posição societária na MRS . Pode ser que um entendimento com Elizabeth leva a uma postura mais flexível da mineradora, numa conjuntura que, na avaliação de especialistas do mercado de concorrência, parece pouco simpática à Vale. Do outro lado, Benjamin Steinbruch, da CSN, é visto como "otimista radical" por já contar antecipadamente com uma "vitória" no Cade. Os cinco conselheiros do Cade têm perfis diversos e não se pode prever como votarão. Para marcar posições, Vale e CSN travaram uma verdadeira "batalha" de petições junto ao órgão. A Vale encaminhou cinco petições no período e nove pareceres de consultores contratados, enquanto a CSN enviou duas petições e um parecer contratado. Desde o dia 1º deste mês, conselheiros do Cade gastaram pelo menos sete horas e meia ouvindo enviados dos dois lados. Se nenhum conselheiro pedir vista, a decisão será conhecida hoje.