Título: Incentivos nem sempre são bom negócio
Autor: Marta Watanabe
Fonte: Valor Econômico, 28/10/2004, Brasil, p. A4

Empresas precisam recorrer à Justiça para usufruir de benefícios ganhos na guerra fiscal entre Estados

Nem sempre os incentivos fiscais são um bom negócio. A guerra fiscal entre os Estados e as mudanças na política tributária fazem com que as empresas percam os benefícios ou os vejam reduzidos de uma hora para outra. Para manter benefícios fiscais às vezes milionários, as companhias levam o assunto para discussão em processos judiciais ou administrativos. A Latasa, atual Rexam Beverage Can South America, por exemplo, foi autuada no Estado de Minas Gerais porque aproveitou o incentivo do Fundo para o Desenvolvimento das Atividades Portuárias (Fundap) oferecido pelo governo capixaba às empresas que importam por Vitória. A empresa mantém processo administrativo e judicial para fazer com que Minas Gerais aceite o crédito do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) concedido à Latasa pelo governo capixaba. A empresa também quer que o governo mineiro deixe de cobrar o imposto que considera como não recolhido devido ao crédito Fundap. As duas disputas somam cerca de R$ 80 milhões segundo os balanços da empresa. A companhia apresentou seguro-garantia nos processos judiciais. No Paraná, o governador Roberto Requião, quando ainda estava em campanha política, declarou por diversas vezes que iria rever contratos firmados com as montadoras Renault e Volkswagen, que receberam incentivos fiscais para instalar-se no Estado. Atualmente os incentivos estão sendo alvo de ação judicial. O processo está na primeira instância. O secretário estadual da Fazenda, Heron Arzua, diz que o atual governo reformulou o programa e generalizou os incentivos. "Agora todo mundo pode receber." O incentivo pode ser dado de acordo com a região escolhida para o investimento e o valor a ser aplicado. O Ministério Público do Paraná também ingressou em dezembro do ano passado com ação para cancelar os benefícios oferecidos para as montadoras. Alegando que o Paraná está tendo prejuízos com isso, o MP pede a suspensão dos benefícios. Se isso acontecer, as montadoras terão de recolher no prazo normal o ICMS que, de acordo com o contrato, seria pago depois de alguns anos. Os problemas não se restringem aos tributos estaduais. A Aracruz e a Companhia Siderúrgica de Tubarão (CST) pleitearam a redução do Imposto de Renda (IR) por ter suas unidades localizadas na área de atuação da Agência de Desenvolvimento do Nordeste (Adene), órgão criado após a extinção da antiga Sudene. Elas obtiveram direito ao benefício junto à Adene em 2002 e 2003, respectivamente. O benefício contou com reconhecimento da Receita Federal. As duas companhias passaram a contabilizar o benefício no ano passado. No início de 2004, porém, elas foram surpreendidas por uma notificação em que se anunciava a anulação dos incentivos. Para a Aracruz, o assunto rendeu um processo administrativo no qual a decisão inicial da Adene foi desfavorável à fabricante de papel e celulose. O benefício registrado até 30 de setembro pela Aracruz foi de R$ 130,66 milhões. No caso da CST, o incentivo foi mantido por liminares concedidas pela Justiça. Para a siderúrgica, o benefício apurado de IR superou os R$ 150 milhões desde 2003 até 30 de setembro. Segundo o procurador-geral da Adene, Romoaldo Reis Goulart, a discussão sobre os benefícios fiscais de companhias capixabas como a Aracruz e a CST está relacionada à definição da abrangência da área geográfica para a qual a agência tem autorização de conceder incentivos. A Adene, explica ele, foi criada em 2001 com o objetivo de implementar políticas de desenvolvimento em uma região que, entre outros, abrange todo o Estado do Espírito Santo. A legislação que permite ao órgão conceder o incentivo fiscal do IR, porém, limita a atuação da Adene à área geográfica que estava antes aos cuidados da extinta Sudene. O problema é que a área geográfica abrangida pela Sudene incluía apenas municípios localizados na região norte do Espírito Santo. "A região sul está fora da área de atuação da Adene, o que impede a agência de autorizar benefícios para empresas localizadas nessa região." Muitas vezes a discussão sobre a manutenção do benefício é deflagrada por uma alteração na legislação. Foi o que aconteceu com a Gessy Lever, atual Unilever. Em pelo menos quatro processos administrativos, a companhia tentou manter o crédito de 50% do IR retido na fonte nos valores remetidos ao exterior como royalties previstos em contratos de transferência de tecnologia. O incentivo era previsto para companhias que possuíssem Programas de Desenvolvimento Tecnológico Industrial (PDTI). A empresa já tinha seu programa aprovado quando a Lei n 9.532/1997 reduziu o crédito de 50% para 30%. A lei ainda previu um cronograma pelo qual o benefício será reduzido para 10% até 2013. A companhia tentou manter o crédito de 50% para o período entre 1998 e 2003, mas seus processos tiveram decisões desfavoráveis no Conselho de Contribuintes. O tribunal decidiu que não existia direito adquirido nesse caso. O julgamento do Conselho sobre o assunto ainda não é pacífico. Em outros casos o órgão decidiu que a redução só deveria ser aplicada para programas aprovados após a edição da lei que determinou a redução dos créditos. O tema deverá ser uniformizado pela Câmara Superior de Recursos Fiscais. "A adesão a incentivos fiscais virou uma aventura", diz o advogado Júlio de Oliveira, sócio do Machado Associados. "O contribuinte é atraído por benefícios fiscais que, embora tenham sido oferecidos formalmente pelo poder executivo, podem cair ou sofrer mudanças em função de guerra fiscal ou mudança de governo. Isso acontece hoje de forma generalizada para tributos recolhidos pela União, Estados e municípios." Como a tendência é que os contribuintes discutam o assunto judicial ou administrativamente, lembra, eventuais decisões divergentes acabam piorando ainda mais a situação porque geram desigualdade. O consultor Luciano Nutti, da ASPR Auditoria e Consultoria, diz que muitas vezes as mudanças de legislação determinam efeitos retroativos. "O impacto para as empresas é muito grande porque elas planejam toda a produção de um período levando em conta a redução tributária garantida inicialmente e essas condições podem mudar repentinamente." A advogada Renata Correia, do Mattos Filho Advogados, declara que a atual guerra fiscal entre Estados tem gerado muita insegurança entre os contribuintes. "Empresas de São Paulo e de outros Estados simplesmente não sabem como tratar os créditos de ICMS incentivados." Procuradas, a Rexam, Unilever, Aracruz e CST não se manifestaram.