Título: Ainda mais lentos
Autor: Iunes, Ivan; Jerônimo, Josie
Fonte: Correio Braziliense, 14/04/2010, Política, p. 2

Câmara e Senado antecipam a corrida eleitoral e travam a análise de projetos importantes, como o reajuste dos aposentados e o marco regulatório do pré-sal

Sem falar a mesma língua há pelo menos um mês, Senado e Câmara dos Deputados decidiram copiar o Executivo e anteciparam a corrida eleitoral. Parlamentares das duas Casas travam uma disputa fratricida, que inclui o próprio governo, em torno do bônus eleitoral de medidas como o reajuste de aposentados, piso salarial de bombeiros e policiais militares, entre outras. Sem ter a certeza de o presidente conseguir cravar o seu sucessor, deputados e senadores adotam a estratégia do agora ou nunca eleitoral e correm para levar para suas bases pacote de benesses para garantir a reeleição. Como resultado, a aprovação(1) dos chamados temas ¿nervosos¿ tornou a articulação política do governo um campo minado e travou projetos importantes (veja quadro ao lado).

Reeleito em 2006, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ainda não tinha enfrentado a fúria eleitoral do Congresso às vésperas da renovação presidencial. Interlocutor do Planalto, o ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, tentou colocar o vagão de volta aos trilhos em reuniões com parlamentares, nesta terça-feira. Durante o almoço, falou com deputados sobre o pacote de ¿bondades¿ que invade a Casa. No fim do dia, a conversa ocorreu com os senadores. O tema foi a votação dos projetos do marco regulatório do pré-sal, mas a tarefa era a de conseguir fazer os aliados voltarem a trabalhar para o governo.

Os ruídos de comunicação entre Câmara e Senado têm sido evidentes ¿ e constrangedores. O líder do governo na Câmara, Cândido Vaccarezza (PT-SP), anunciou acordo para o reajuste dos aposentados que ganham mais de um salário mínimo, que ficaria em 7%. A menos de 100m, o líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), divulgou o mesmo acordo, mas com o índice turbinado. ¿O Senado tem de explicar qual forma cabalística eles inventaram para chegar aos 7,7%. Discutir coisas inviáveis em época de eleição, só para aparecer, é demagogia¿, acusou Vaccarezza. O impacto do reajuste proposto pelo Senado seria de R$ 1,7 bilhão.

Com os líderes em rota de colisão, o Planalto correu para desautorizar Jucá. ¿A Câmara é que está discutindo essa questão. A proposta do governo é 7% e o presidente vetará um índice maior¿, afirmou Alexandre Padilha. Com a atmosfera eleitoral contaminando as duas Casas, o governo federal ainda trabalha com a possibilidade de um motim dos parlamentares para aprovar o aumento de 7,7%. ¿Se eu fosse o governo, daria o maior reajuste para os aposentados. Teria uma válvula de escape para adiar o fator previdenciário, que seria muito pior¿, opinou o senador Flávio Arns (PSDB-PR).

Partilha A disputa pelos bônus eleitorais fica ainda mais latente com a estratégia, chancelada pelo governo federal, de aprovar o marco regulatório do pré-sal sem a emenda que redistribui os royalties do petróleo. O novo modelo de distribuição foi atrelado na Câmara ao projeto que institui o regime de partilha para exploração no pré-sal, aprovado pelos deputados no mês passado. A estratégia adotada pelo Senado para não votar a questão dos royalties passa pelo desmembramento do tema do projeto, que estabelece o modelo de partilha.

O artifício, chancelado pelo governo, impossibilita à Câmara votar o novo modelo quando o projeto retornar para a análise final da Casa. Os deputados, que já contavam com a redistribuição dos royalties no cálculo eleitoral, torceram o nariz. A resposta foi o adiamento da votação de vários itens do pacote de bondades desejado pelos senadores. Composto por vários itens, as propostas levam recursos para os estados e o Distrito Federal. Com o poder de convencimento abalado pela sucessão presidencial indefinida, o governo federal tem jogado com a exaustão. ¿Não vamos adiar as discussões, queremos aprová-las, mas não abriremos mão do diálogo, do acordo¿, anunciou Vaccarezza.

1 - Crédito Os deputados federais aprovaram ontem a abertura de crédito extraordinário de R$ 18,1 bilhões, no Orçamento de 2009. A Medida Provisória 477/09 prevê a distribuição de recursos para despesas de custeio e infraestrutura a vários ministérios e estatais. O Ministério da Saúde, por exemplo, receberá R$ 151,6 milhões para execução de serviços urbanos de água e esgoto. O Ministério dos Transportes, por sua vez, terá R$ 10 milhões para o Trem de Alta Velocidade entre Rio de Janeiro, São Paulo e Campinas. A MP também anula o repasse de R$ 14,6 bilhões, a maioria em investimentos, de estatais como a Petrobras e a Eletrobras.

OS NÚMEROS

SEM ACORDO

7% Índice defendido pelo governo para o reajuste dos aposentados que ganham mais de um salário mínimo

OS NÚMEROS

7,7%

Percentual que os senadores querem conceder de aumento aos aposentados e pensionistas

Enfermeiros protestam

Cerca de 4 mil profissionais da área de enfermagem estão em Brasília lutando pela aprovação de um projeto de lei que reduz a jornada de trabalho de 40 para 30 horas semanais. Pela manhã, os manifestantes ficaram no gramado em frente ao Congresso Nacional. À tarde, reuniram-se com deputados e lideranças partidárias para pressionar pela votação do projeto e fizeram um protesto pelo Eixo Monumental. A categoria argumenta que a redução da jornada vai permitir a qualificação dos profissionais e a implementação de uma assistência à saúde com mais qualidade. O projeto tramita na Câmara há 10 anos.

Pauta pendente

Confira os projetos que dividem o Congresso e o governo federal:

Marco regulatório do pré-sal Propostas com regras para exploração de petróleo na camada do pré-sal, como a criação do Fundo Social, Petro-Sal, capitalização da Petrobras e modelo de partilha.

Reajuste dos aposentados A proposta aumenta o benefício de quem ganha mais de um mínimo. Governo quer 7%. Senadores e parte da Câmara defendem um percentual de 7,7%.

Fator previdenciário Projeto cria cálculo para reduzir o impacto do desconto no rendimento dos aposentados.

Redução da jornada Proposta diminui tempo semanal de trabalho de 44 para 40 horas

Salário extra para professores Docentes de escolas com bom desempenho ganhariam 14º salário

Piso salarial para policiais e bombeiros Projeto iguala e estabelece vencimento inicial de R$ 3,5 mil para todo o país

Enfermeiros Proposta estabelece que profissionais passariam a trabalhar no máximo 30 horas semanais.

FGTS Projeto aumenta a rentabilidade do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, com alteração no índice de correção.