Título: Comissão investiga depósitos de empreiteiras
Autor: Daniel Rittner
Fonte: Valor Econômico, 11/08/2005, Política, p. A7

Crise CPI dos Bingos desconfia de empresa laranja cujo sócio trabalha na Secretaria de Comunicação da Presidência

A CPI dos Bingos acredita ter descoberto um esquema montado para favorecer empresas em licitações públicas ou engordar o financiamento de campanhas eleitorais. Nesse caso, o epicentro do esquema também está em Belo Horizonte e envolve empreiteiras como Camargo Corrêa e Mendes Júnior, além da multinacional americana GTech. Dados em posse da CPI indicam que o advogado Walter dos Santos Neto usou uma empresa em Minas Gerais para receber recursos altamente suspeitos. Ele é acionista majoritário da consultoria jurídica MM, sediada na capital mineira, e não conseguiu explicar ontem, em depoimento à comissão, por que as suas movimentações bancárias pessoais são R$ 5 milhões mais baixas do que os ganhos que ele obteve por meio da empresa, conforme apontam informações do sigilo fiscal do advogado. O valor chamou a atenção dos parlamentares porque corresponde exatamente ao volume de recursos depositado na conta da MM pela Gtech do Brasil, suspeita de ter pago propina para renovar um contrato de operação de loterias com a Caixa Econômica Federal. Para os integrantes da CPI, está claro que a empresa é laranja para um esquema maior de lavagem de dinheiro. "É 99% certo que se trata de um escritório para o pagamento de dinheiro e uma subseqüente divisão", afirmou o senador Magno Malta (PL-ES). Na falta de explicações, o advogado só não saiu preso por causa de uma intervenção de última hora do senador Romeu Tuma (PFL-SP), que propôs um novo depoimento. Walter não tinha habeas corpus e assinou compromisso de dizer a verdade à comissão. A MM, da qual ele é acionista majoritário, declarou-se inativa à Receita Federal em 2001 e em 2002, mas só nesses dois anos movimentou R$ 6,079 milhões. A quebra do sigilo bancário da conta da empresa no Bradesco mostra que a empresa aumentou drasticamente o volume de transações a partir do início do governo petista. A movimentação bancária subiu de R$ 2,7 milhões em 2002 para R$ 6,73 milhões em 2003. No ano passado, chegou a R$ 8,21 milhões. Estranhamente, porém, a evolução patrimonial de Walter não acompanhou esse crescimento. Ele tem bens que somam apenas R$ 24,7 mil - alega não ter sequer um carro, mas foi pego mentindo à CPI ao tentar esconder a aquisição de um apartamento. Até 2003, o advogado fazia declaração de isento perante o Fisco. Em 29 de abril de 2004, apenas dez dias após o Ministério Público ter pedido à Justiça a quebra do sigilo fiscal dele, Walter apressou-se para retificar a declaração anterior e disse ter recebido R$ 3,2 milhões da MM a título de "participação em lucros e dividendos". Neste ano, declarou o recebimento de R$ 7,4 milhões. O outro sócio da empresa é Marcelo Aguiar, que detém aproximadamente um terço das ações e trabalha desde 2003 na Secretaria de Comunicação Social (Secom) da Presidência da República. Aguiar afirmou ontem, em depoimento à CPI, que desde 2001 não mantém contato com Walter, que é seu primo de segundo grau, e tentou sem sucesso fechar a empresa. Walter confirmou, também em depoimento, que não informou ao parceiro a movimentação da MM nos últimos quatro anos. Para os parlamentares, é mesmo improvável que Aguiar tenha participado do esquema porque ele fez transações de cerca de R$ 100 mil no ano passado, valor compatível com os seus rendimentos na Secom. A CPI acha contraditórios, no entanto, os dados relativos a Walter. Dados da MM apontam a entrada de R$ 13,5 milhões em 2003 e 2004, distribuídos da seguinte forma: a Camargo Corrêa depositou R$ 7,5 milhões, a Gtech enviou R$ 5,1 milhões e a Mendes Júnior pagou R$ 900 mil. Os depósitos da Camargo Corrêa despertam atenção especial da comissão. O pagamento de R$ 7,5 milhões à MM é referente à "remuneração de serviços profissionais prestados por pessoa jurídica", segundo atesta a declaração de IR da empresa. Foi feito em junho de 2004 - o que também estranhou a CPI, pela proximidade com as eleições municipais do ano passado. Pressionado, Walter revelou que a Camargo Corrêa pagou mais duas parcelas de R$ 7,5 milhões aos escritórios de advocacia S. Santos e Araújo Fontes, com as quais ele admitiu ter vínculos. Os parlamentares consideraram esses valores, que totalizam R$ 22,5 milhões, incompatíveis com serviços prestados até mesmo pelos mais renomados escritórios de advocacia. Os parlamentares já estudam pedir a quebra de sigilos das empreiteiras e convocar seus diretores. Para o senador Geraldo Mesquita (P-Sol-AC), membro da CPI, a MM "serviu de correia de transmissão para quem prestou um serviço político à Camargo Corrêa". O presidente da comissão, Efraim Morais (PFL-PB), também levantou a hipótese de que a empresa de Walter seja uma laranja de esquema maior.