Título: O câmbio e o misterioso crescimento das exportações
Autor: Affonso Celso Pastore e Maria Cristina Pinotti
Fonte: Valor Econômico, 11/08/2005, Opinião, p. A10

Comércio internacional sofreu mudanças estruturais

Por que as exportações brasileiras continuam crescendo mesmo depois de iniciado o ciclo de grande valorização do real a partir da crise de confiança de 2002/2003? Quer medido com relação ao dólar norte-americano, quer com relação à cesta de moedas dos nossos principais parceiros de comércio, o câmbio real já retornou a valores muito próximos do ocorrido no período 1999/2000, no qual as exportações caminhavam em torno de US$ 4 a US$ 5 bilhões por mês e os saldos comerciais mensais gravitavam em torno de zero. No entanto, atualmente as exportações atingem mais de US$ 9 bilhões por mês, com superávits comerciais crescentes, que alcançaram recentemente perto de US$ 4 bilhões por mês, descontada a sazonalidade. Onde está o erro? Um câmbio real mais depreciado somente eleva as exportações brasileiras porque altera os preços relativos entre bens internacionais e domésticos, elevando a produção doméstica e cortando a demanda doméstica. Na realidade, qualquer elevação dos preços dos bens internacionais relativamente aos domésticos promove as exportações, quer ela seja provocada pela depreciação do câmbio real, quer pela elevação dos preços em dólares dos bens exportados. Ocorre que desde o final de 2001 assiste-se no mundo a um ciclo de forte elevação dos preços em dólares de commodities, em particular, e de bens exportados em geral. Esse ciclo ascensional aparece com clareza nos preços médios das exportações mundiais e nos preços médios das exportações brasileiras, quer de produtos básicos, quer de produtos manufaturados ou dos semi-manufaturados, como pode ser claramente visto no gráfico. Exercícios econométricos simples mostram que o quantum das exportações brasileiras responde ao câmbio real com uma elasticidade muito próxima à de resposta aos preços internacionais, e cresce a longo prazo a uma taxa igual à de crescimento do quantum das exportações mundiais. Mostram, também, que os preços médios das exportações brasileiras são "causados" pelas variações dos preços médios internacionais de commodities. Como o valor em dólares das exportações é o produto do quantum pelos preços médios, a elevação destes expande aquele valor em dólares, quer porque eleva diretamente os preços, quer porque eleva o quantum exportado. Quando os dois fatores são considerados, o mistério das exportações desaparece. Ou seja, o choque positivo do crescimento internacional, provocando o aumento do quantum das exportações e a elevação dos preços médios, mais do que compensou a valorização do real. Dito de outra forma, o real somente pode valorizar-se porque os preços internacionais das commodities e o crescimento das exportações mundiais produziram estímulo suficientemente grande sobre os saldos comerciais. Ignorar estes fatos confirmados pelas análises empíricas é procurar tapar o sol com uma peneira. Pode ser "politicamente correto" juntar-se ao grupo dos defensores dos exportadores que eventualmente venham perdendo rentabilidade com a valorização do real, mas em nada isso contribui para entender a natureza das mudanças estruturais que isto provoca na economia.

Mantido o cenário de preços internacionais elevados, real continuará valorizado mesmo com taxa de juros em declínio

As análises valem em parte por seus resultados, e em parte pela capacidade que têm de advertir com relação aos problemas que podem ocorrer no futuro. Em praticamente todas as discussões sobre as determinantes deste já longo processo de valorização do real, grande ênfase tem sido dada aos efeitos das elevadas taxas domésticas de juros, que têm atraído capitais de curto prazo. Ninguém nega que o diferencial entre as taxas de juros doméstica e internacional é uma das componentes geradoras da valorização cambial. Porém, está distante de esgotar a explicação. Com o atual comportamento dos preços internacionais, foram determinados superávits comerciais elevados, e mesmo que a valorização cambial induza um aumento nos gastos líquidos de viagens internacionais e em remessas de lucros e dividendos, nenhum destes dois movimentos tem sido capaz de anular os ganhos dos superávits comerciais, mantendo-se os superávits nas contas correntes. Com isso, o real tende a valorizar-se mesmo com a redução do diferencial entre as taxas de juros doméstica e internacional. Será que este ciclo de preços internacionais elevados é temporário ou tem um grau maior de persistência? Em geral, ele é atribuído ao excesso de liquidez da economia global, porém é preciso lembrar que ele deriva, também, de mudanças estruturais no padrão de comércio internacional. A China ingressou na World Trade Organization há apenas alguns anos, e sua crescente participação no total das exportações mundiais já é praticamente igual à cadente participação dos Estados Unidos no total das exportações mundiais. Ora, nas primeiras aulas do curso de graduação em comércio internacional aprendemos que a "hipótese de país pequeno" - aquele cujas exportações não alteram os preços internacionais - não pode ser feita com relação aos Estados Unidos. E a lógica indica que ela também não mais pode ser feita com relação à China. São duas as advertências neste ponto. Primeiro, aquele ciclo de preços elevados pode ter um elevado grau de persistência. Segundo, se este for o caso, as forças que valorizaram o real continuarão a predominar, ainda que as taxas de juros iniciem um processo gradual de declínio. O governo pode reagir a isto de várias formas, mas certamente terá que evitar o erro de taxar a exportação de commodities e subsidiar as exportações de produtos manufaturados cuja rentabilidade está declinando. Esta está longe de ser uma "solução" para o problema. Isto porque estaremos tributando bens na produção dos quais temos maior eficiência relativa, e subsidiando produtos onde a eficiência é menor, baixando a produtividade média da economia e impedindo uma mudança estrutural que deve ser incentivada e não evitada. A distorção será ainda mais acentuada se parte dos recursos para abrir o espaço para os subsídios vier da taxação sobre as importações, das quais depende a formação bruta de capital fixo do Brasil.