Título: Após lua-de-mel, inflação terá trimestre de pressões
Autor: Sergio Lamucci
Fonte: Valor Econômico, 28/10/2004, Brasil, p. A5

Industrializados e administrados ditam o rumo dos índices

Depois da trégua inflacionária registrada em setembro, os indicadores divulgados nos últimos dias mostram o retorno de alguma pressão sobre os preços - o IPC da Fipe, por exemplo, teve alta de 0,53% na terceira quadrissemana de outubro (leia ao lado), ante variação de 0,38% na anterior. As cotações dos alimentos voltaram a subir, os produtos industrializados avançam com mais força, devido ao repasse dos aumentos do atacado para o varejo, e há a expectativa de novos reajustes dos combustíveis ainda neste ano. Além disso, estão programados para os próximos meses alguns aumentos de preços administrados, como o segundo reajuste extraordinário de telefonia. A expectativa dos analistas é que os núcleos do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), como o calculado pela exclusão de preços administrados e alimentos, fiquem na casa de 0,5% ou mais nos próximos meses. São números que estão longe de mostrar uma inflação descontrolada, mas ainda assim sugerem uma trajetória incompatível com as rigorosas metas perseguidas pelo Banco Central (BC). Para 2005, por exemplo, o alvo é de 5,1%. Uma taxa de 0,5% ao mês equivale a uma inflação anualizada de 6,17%.

O economista Ricardo Denadai, da LCA Consultores, diz que os baixos índices de preços registrados em setembro se deveram em grande parte à deflação de alimentos, fenômeno que não vai se repetir neste mês - pelo contrário. A partir de agora, porém, o quadro é outro, afirma ele. Os alimentos já voltaram a subir, como deixa claro o IPC da Fipe. Denadai lembra que há reajustes de preços administrados agendados ainda para este ano. Além disso, um novo aumento dos combustíveis, passadas as eleições, é considerado como bastante provável pela maior parte dos analistas, já que ainda há muita defasagem entre as cotações internacionais e as domésticas, mesmo depois do reajuste promovido pela Petrobras há algumas semanas. A economista Ana Paula Almeida, da Tendências Consultoria Integrada, nota que há alguma pressão sobre os preços dos produtos industrializados. Isso decorre, em grande medida, do choque de custos causado pela disparada das commodities metálicas neste ano, segundo ela. De janeiro a setembro, os automóveis novos, por exemplo, subiram 11,4% e os eletrodomésticos da linha branca (como geladeiras), 7,5%. No mesmo período, o IPCA cheio teve variação de 5,49%. A mesma tendência se verificou no IPCA-15 de outubro - com preços coletados entre meados de setembro e meados deste mês -, que mostrou alta de 0,65% nos preços dos automóveis novos e de 0,56% para a linha branca. No período, o IPCA-15 cheio subiu 0,32%. Como os preços avançaram muito no atacado neste ano, o temor de alguns analistas - e do BC - é de que ainda haja repasses significativos para o varejo nos próximos meses. O ciclo de alta dos juros iniciado pela autoridade monetária em setembro tem como um de seus objetivos impedir esse movimento. De janeiro a setembro, o Índice de Preços no Atacado (IPA) industrial da Fundação Getúlio Vargas (FGV) subiu nada menos que 11,9%. No mesmo período, o IPCA teve variação de 5,49%. O núcleo do IPCA-15 de outubro calculado pela exclusão dos administrados e alimentos ficou em 0,5%, acima do 0,41% registrado pelo IPCA em setembro. Esse movimento, na visão dos economistas do Bradesco, indicaria um maior repasse do atacado para o varejo. O comportamento do petróleo, porém, ainda é tido como a principal ameaça para a inflação, como afirma o economista Jankiel Santos, do ABN AMRO. O produto continua acima de US$ 50 o barril, e há pouca expectativa de que as cotações caiam de forma significativa. No dia 14 deste mês, a Petrobras anunciou o reajuste na refinaria de 2,4% para a gasolina e 4,8% para o óleo diesel, mas a aposta dos analistas é de que um novo aumento vai ocorrer após as eleições. Santos considera possível um reajuste de 8% da gasolina para o consumidor. Ele projeta um IPCA de 7,8% para este ano e de 5,5% para 2005. Nesse cenário, a perspectiva é de que o IPCA busque patamares mais elevados daqui para a frente. Para outubro, a LCA projeta um número de 0,45%. Em novembro, o índice pode pular para 0,65%. O Departamento Econômico do Bradesco lembra que o índice no mês que vem será pressionado "pelo reajuste de energia elétrica no Rio de Janeiro, pela segunda parcela do aumento extraordinário da telefonia e por parte do impacto do reajuste da gasolina" anunciado ainda em outubro. pela Petrobras. Em dezembro, é possível que o índice recue um pouco, para a casa de 0,55%. Denadai acredita que os núcleos de inflação devem oscilar entre 0,5% e 0,6% nos próximos meses. Para ele, não são números preocupantes. A questão é que eles são elevados em comparação com as metas definidas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). Denadai avalia que, se quiser trazer a inflação projetada pelo mercado para 2005 para a meta de 5,1%, a autoridade monetária terá de elevar fortemente os juros, o que tenderia a afetar negativamente a atividade econômica. O consenso do mercado aponta para um IPCA de 5,89% em 2005, bem acima, portanto, da meta. Até agora, o BC elevou a Selic de 16% para 16,25% em setembro e para 16,75% em outubro.