Título: Duda diz que caixa 2 pagou dívida petista
Autor: Mauro Zanatta e Cristiano Romero
Fonte: Valor Econômico, 12/08/2005, Política, p. A5

Crise Publicitário afirma ter aberto empresa em Bahamas e conta em Miami para receber R$ 10,5 milhões

Num depoimento que agravou ainda a crise política vivida pelo governo Lula, o publicitário Duda Mendonça admitiu ontem à CPI dos Correios ter recebido R$ 10,5 milhões em recursos de caixa dois do empresário Marcos Valério de Souza, acusado de operar o pagamento do mensalão a congressistas e de ter montado um esquema irregular de financiamento de campanhas eleitorais. O dinheiro, segundo os depoimentos que Duda e sua sócia, Zilmar Fernandes da Silveira, deram à CPI e à Polícia Federal, foi pago num paraíso fiscal - as Bahamas - e destinou-se à quitação de dívidas das campanhas eleitorais de 2002 do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do senador Aloizio Mercadante, da ex-governadora Benedita da Silva e do candidato derrotado do PT ao Senado pelo Rio de Janeiro, Edson Santos. Os R$ 10,5 milhões teriam sido pagos por Marcos Valério a Duda Mendonça por meio de depósitos feitos numa conta aberta pelo publicitário numa agência do Bank Boston International, em Miami. O dinheiro dos depósitos, atribuídos a Valério, saiu das seguintes instituições: Banco Rural Europa, de Funchal (Portugal); Israel Discount Bank, de Nova York (EUA); Trade Link Bank, de Grand Cayman (EUA); BAC Florida Bank, de Miami (EUA); e Wachovia Bank (EUA). "Era um dinheiro claramente de caixa dois, um dinheiro por fora, mas tivemos que receber dessa maneira. Não somos bobos, mas era assim ou não receberíamos", disse o "marqueteiro", que chorou em vários momentos de seu depoimento. "Não me sinto um inocente útil. Fiz o meu trabalho e recebi. Concordei com a regra do jogo. Me sinto em parte responsável por um erro fiscal, mas não por um erro ético." A versão de Duda desmente Marcos Valério, que assegurou à CPI que o dinheiro do valerioduto não veio do exterior. "Isso muda totalmente o rumo das investigações", afirmou o presidente da CPI, senador Delcídio Amaral (PT-MS), que decidiu acionar a Interpol para rastrear a movimentação de 15 empresas de Marcos Valério no exterior, bem como as movimentações das contas bancárias citadas por Duda em seu depoimento. O empresário baiano e sua sócia fizeram um histórico do seu relacionamento com o PT. Segundo eles, em 2001, o PT contratou a Comunicação e Estratégia Política Ltda (CEP), a empresa de marketing político de Duda, para prestar serviços publicitários ao partido, ao preço total de R$ 595 mil. Os serviços teriam sido pagos, por meio de cheques, pelo diretório nacional do PT. No ano seguinte, o PT fechou novo pacote com a CEP, este no valor de R$ 25 milhões, destinado a bancar o marketing eleitoral da campanha presidencial e de outras três disputas eleitorais do PT. De acordo com Duda e Zilmar, o partido honrou, até dezembro de 2002, R$ 13,5 milhões dessa dívida. Em janeiro, Lula tomou posse na Presidência da República e Duda começou a enfrentar problemas para cobrar o débito. Segundo ele e sua sócia, interessado em continuar trabalhando com a CEP, o PT propôs mais um pacote de serviços publicitários, no valor total de R$ 7,334 milhões. Na ocasião, Duda teria dito ao PT que só renovaria o pacote de serviços se o partido começasse a amortizar a dívida remanescente, de R$ 11,5 milhões. Foi nesse momento que apareceu a figura de Marcos Valério. "A partir de 2003, Delúbio (Soares, tesoureiro do PT) saiu de cena e Valério ditava as regras", contou Duda. De acordo com Zilmar, Delúbio ordenou que ela procurasse Valério para receber a primeira parcela do pagamento da dívida. A sócia de Duda disse que foi naquele momento que teve seu primeiro encontro com o empresário mineiro. Segundo ela, Valério ordenou que comparecesse à agência do Banco Rural na Avenida Paulista, em São Paulo. Lá, ela teria recebido, em espécie, um lote de R$ 300 mil e outros dois, de mesmo valor, em dias alternados. Zilmar revelou ainda que, a pedido de Delúbio, não emitiu nota fiscal sobre esse valor. A partir daí, segundo Zilmar, Marcos Valério condicionou o restante do pagamento à abertura de uma conta no exterior, alegando que a quitação não poderia ser feita em bancos brasileiros. Seguindo orientação do Bank Boston International, Duda e Zilmar abriram empresa, batizada com o nome da cidade alemã Dusseldorf, em Bahamas, e uma conta no Bank Boston International, em Miami. Foi nessa conta que foram depositados, por meio de dezenas de operações, R$ 10,5 milhões. Duda sustentou ontem que esse dinheiro nunca foi sacado e que a Dusseldorf Company Ltd. foi criada apenas para receber esses depósitos. Feitos os pagamentos, restava ainda débito de cerca de R$ 7,5 milhões do PT com a empresa de Duda Mendonça. Em abril de 2003, ainda segundo depoimento do publicitário e de sua sócia, foram sacados, em espécie, R$ 500 mil do Banco Rural, atendendo à "expressa determinação" de Delúbio. Outros R$ 3,6 milhões, também em espécie, foram recebidos diretamente de Delúbio ("pessoalmente ou através de mensageiros") em parcelas pagas ao longo de 2003. Zilmar contou que o ex-tesoureiro do PT relutou muito em quitar o restante da dívida, mas acabou fazendo isso no fim de 2003. Feito isso, o partido voltou a contratar serviços de publicidade à CEP, dessa vez, no valor de R$ 24,7 milhões. Do total, apenas R$ 10 milhões foram pagos até agora. Essa quantia, segundo afiança a sócia de Duda, foram pagos por meio de cheques e depósitos bancários e apenas uma pequena parcela teria sido honrada em espécie. Ela assegurou que, em 2004, não houve intermediação de Marcos Valério. No depoimento à CPI, Duda procurou eximir o presidente Lula de qualquer responsabilidade no esquema Valério-Delúbio. Ele garantiu que jamais pagou despesas pessoais do presidente e que, durante a corrida presidencial de 2002, lhe comprou ternos porque isso fazia parte do "figurino" da campanha. Perguntado se teria comprado o terno da posse de Lula, conforme revelou o estilista Ricardo Almeida, Duda disse que não se lembrava. "Não se pode culpar o presidente. Vou ficar muito triste se ficar provado que esse presidente não é o dos meus sonhos. Se isso acontecer, não farei mais campanhas políticas", afirmou. Duda apresentou-se espontaneamente tanto à Polícia Federal quanto à CPI. Já sua sócia, Zilmar havia sido convocada. Ele disse que resolveu falar depois de ler uma nota num jornal mineiro que mencionava a existência da Dusseldorf. "Me senti meio chantageado (por Marcos Valério). Ele queria dizer que eu mandei dinheiro para fora, mas foi ele quem mandou. Foram empresas mandadas por ele", sustentou. Preocupado em receber os R$ 14 milhões que o PT lhe deve, Duda declarou que não abandonará o PT. "Peguei o partido na hora boa. Não é na ruim que vou sair." Sobre as críticas de parlamentares acerca de seu quase monopólio na publicidade do governo Lula, Duda Mendonça admitiu, sem detalhar valores, que suas empresas faturam o dobro dos valores repassados à época pelo governo Fernando Henrique Cardoso. Segundo o relator da CPI, deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR), Duda terá problemas contábeis com a Justiça porque, mesmo tendo trabalhado com recolhimentos baseados no lucro presumido, o deveria ter declarado todo dinheiro recebido à Receita Federal. O deputado Maurício Rands (PT-PE) foi além. Disse que ele responderá por operações de câmbio não-autorizada. "Sua situação é grave", disse Rands.