Título: Suspeita é de lavagem de dinheiro
Autor: Ricardo Balthazar
Fonte: Valor Econômico, 12/08/2005, Política, p. A6

Uma empresa ou uma pessoa física abrir uma conta no exterior, ainda que em paraíso fiscal, não configura crime. Mas especialistas do mercado financeiro consideraram muito frágil o argumento do publicitário Duda Mendonça de que foi obrigado a abrir uma conta no exterior para receber pelos serviços prestados na campanha do PT. E a reação do mercado - o dólar e o risco-país subiram e a bolsa caiu - mostra que a preocupação, na verdade, diz respeito à origem do dinheiro. Se ilícita, pode se configurar um leque de crimes: evasão de divisas, lavagem de dinheiro e sonegação fiscal, entre eles. A crise chegaria, de fato, ao colo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. "Se o publicitário Marcos Valério não queria fazer o pagamento no Brasil, Duda sabia da origem ilícita desses recursos e concordou com isso. Ainda assim, poderia ter pedido que Valério usasse um doleiro para pagá-lo no país, em reais. Essa história de ser forçado a abrir conta lá fora é balela", diz fonte que lida com transações internacionais. Para ela, o pagamento no exterior mostra que muitas das contribuições de empresas à campanha podem ter sido feitas ilegalmente no exterior. Os empréstimos dos bancos Rural e BMG ao PT seriam uma maneira de "esquentar" o dinheiro. As suspeitas de especialistas é de que o PT e Valério poderiam estar usando um esquema conhecido como "back to back", comum no passado entre empresas que queriam tornar limpo dinheiro de caixa dois no exterior. Funciona da seguinte forma: a empresa que quer lavar seu dinheiro usa seu caixa para comprar um Certificado de Depósito ao portador de um banco no mercado internacional. No Brasil, o banco faz um empréstimo legal à empresa e usa como garantia desse empréstimo o próprio CD. A empresa não paga o empréstimo e o banco então executa a garantia, ou seja, fica com o CD emitido pela própria instituição no exterior. No mercado interno, o banco registra um prejuízo, que pode ou não ser compensado pelo recurso recebido pelo banco lá fora. O dinheiro de caixa dois da empresa no exterior se torna um empréstimo legal no mercado interno. Suspeita-se que grande parte do caixa dois do PT está ou esteve no mercado externo. A maior parte das empresas brasileiras, inclusive estatais, tem subsidiárias externas, muitas delas em paraísos fiscais. Para investigar o esquema, teoricamente, pode ser pedida a quebra de sigilo bancário em contas no exterior, inclusive em paraísos fiscais. Mas, para isso, as autoridades brasileiras teriam de provar crime antecedente, previsto na lei de prevenção à lavagem de dinheiro. Corrupção passiva, neste caso, é considerado um crime antecedente. Mas um executivo de banco diz que essas provas são muito difíceis de serem obtidas. "Uma prova clara, por exemplo, seria um depósito feito por um banco investigado na conta de um procurador da república que tem um processo contra esse banco sob sua revisão", diz. Além da dificuldade de se obter provas claras, outro fator complica a questão. Quebrar o sigilo de que contas? Em geral, o dinheiro circula por várias delas antes de chegar ao banco e passa até mesmo por doleiros. Alguém pode receber reais no Brasil e depositar dólares no exterior e vice-versa, no chamado "dólar cabo". Por enquanto, porém, com as informações prestadas por Duda, não é possível concluir se houve irregularidades ou crimes na área cambial, segundo fonte da área técnica do Banco Central. Serão necessárias apurações adicionais. Não há crime no fato de Duda abrir uma conta lá fora ou receber no exterior por um serviço prestado no Brasil. As irregularidades se configuram, porém, em duas situações. A primeira, de caráter fiscal, se o patrimônio detido no exterior foi omitido na declaração de Imposto de Renda à Receita Federal. A situação se complica se quem detém esse dinheiro no exterior deixou de informá-lo no censo anual de capitais brasileiros no exterior. São obrigados a declarar valores e bens todos os que têm US$ 100 mil ou mais em outros países. Se não declarou, o cidadão está sujeito a multa e a processo criminal - a Lei nº 7.492, de 1986, que define os crimes contra o sistema financeiro, trata como crime não declarar valor detido no exterior. Para saber se Duda omitiu ou não a informação, a CPI tem que determinar a quebra do sigilo do censo de capitais brasileiros no exterior, cujos dados são confidenciais. Pode haver irregularidade cambial também na origem dos recursos, um dos novos alvos de investigação da CPI. Os recursos podem ter sido movimentados legalmente em duas hipóteses. Uma é que tenham sido enviados regularmente por meio de uma operação de câmbio, em que tudo fica registrado no BC. Outra é que, a exemplo de Duda, Valério tenha recebido o pagamento por serviços de outra empresa no exterior. Se a operação não se enquadrar em nenhuma das duas hipóteses acima, são fortes os indícios de que transitou pelo mercado negro - seguramente, neste caso, por se tratar de recursos sem origem comprovada.