Título: Oposição discute os fundamentos jurídicos para impeachment
Autor: Maria Lúcia Delgado
Fonte: Valor Econômico, 12/08/2005, Política, p. A7

Ao tomar conhecimento da gravidade das revelações feitas pelo publicitário Duda Mendonça à CPI Mista dos Correios, a cúpula do PSDB e PFL já acertavam, em almoço ontem, em Brasília, procedimentos políticos e jurídicos a serem tomados antes de defender publicamente a abertura de um processo de impeachment do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Dirigentes dos dois partidos concluíram que só assumirão essa bandeira após conclusão de estudos jurídicos que fundamentem com clareza os crimes eleitorais, fiscais, tributários, de improbidade e outros cometidos na campanha de Lula em 2002. Advogados dos dois partidos já foram acionados. Previamente, no entanto, os oposicionistas não têm dúvidas de que há, no mínimo, elementos suficientes para cassação do registro do PT, pelo fato de ter se configurado doação para campanha eleitoral em moeda estrangeira, o que é vedado no artigo 28 da Lei Orgânica dos Partidos Políticos. Participaram do almoço o presidente do PFL, Jorge Bornhausen (SC); o líder pefelista no Senado, José Agripino Maia (RN); e o senador Tasso Jereissati (CE). O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso foi informado dos fatos e consultado por telefone, pelo senador tucano. "Isso tudo é muito grave. Nós precisamos conversar", reagiu FHC. A oposição considera que os fatos revelados ontem confirmam o caixa 2 na campanha presidencial de Lula e mostram fortes indícios de lavagem de dinheiro. Segundo o deputado Gustavo Fruet (PSDB-PR), da CPI dos Correios, se o PT usou o empresário Marcos Valério Fernandes de Souza para fazer empréstimos em bancos e quitar dívidas de campanhas, então qual a razão para Duda abrir conta no exterior? Além disso, as versões de Duda, Valério e do PT apresentam distorções numéricas. Nas conversas preliminares, os oposicionistas concluíram que a cautela é extremamente necessária porque o presidente Lula conta com o apoio significativo de ampla base social, pelo menos até agora. O discurso precipitado de impeachment poderia, segundo esses políticos, colocar Lula na posição de vítima e dar fôlego ao PT para mobilização do MST, CUT, e outros movimentos populares, causando uma comoção social de conseqüências imprevisíveis, com contaminação da economia. "Lula não é Collor. Tem história, tem base social, tem partido organizado, tem capacidade de mobilização", ponderou Tasso Jereissati. "O impeachment não é algo que o PSDB quer antecipar, mas só alguém muito alienado não consideraria essa possibilidade hoje", analisou o líder do PSDB no Senado, Arthur Virgílio (AM). "A hora é de coletar provas. Estamos nos aproximando do fim. É inevitável um desfecho, mas não podemos agir com precipitação. Teremos prudência, com inflexibilidade no rumo", sentenciou Agripino. O presidente nacional do PPS, Roberto Freire, já procurou o PSDB e PFL e propôs um diálogo sobre um eventual processo de impeachment, mas também concorda com a cautela. Lula tem o apoio das massas, o que torna o momento atual completamente distinto do processo de impeachment enfrentado por Fernando Collor de Mello. PDT e PSOL também devem se somar a esses partidos no debate. O grau de perplexidade no Congresso ontem era tanto que o presidente do Senado, Renan Calheiros, admitiu em público a seriedade da crise. "O depoimento do publicitário Duda Mendonça parece muito sincero e é muito grave. Nos remete a um cenário pantanoso de ilegalidade, incompatível com a legislação brasileira, de sonegação fiscal, evasão de divisas, contas no exterior", disse. Calheiros afirmou que não cabe ao presidente do Congresso analisar a possibilidade de impeachment, pois isso dependerá, segundo ele, do desfecho das investigações das CPIs. "Como presidente do Congresso, eu vou cuidar da cura. Precisamos urgentemente fazer as mudanças na legislação político eleitoral. Precisamos investigar, esclarecer, e se necessário punir exemplarmente. O corpo está ai, estendido no chão", analisou. O corpo estendido não é o de Lula, esclareceu em seguida o senador: "O corpo no chão são as eleições, essa prática". Segundo Tasso Jereissati, as revelações de Duda Mendonça apontam para uma série de crimes que precisam ser listados, apurados a fundo e analisados. "Ninguém falará de impeachment com tanto açodamento. As medidas que venham a ser tomadas exigem amadurecimento, de acordo com o pensamento jurídico", explicou. A economia, disse o tucano, sempre se fragiliza com instabilidade política. "Estamos na beira da insegurança. Se houver qualquer sinalização mínima de mudança na economia será o caos", disse. A despeito da combinação do PFL e PSDB, o prefeito do Rio de Janeiro, Cesar Maia, disse não ter dúvidas de que a crise atingiu Lula. "Chegou no presidente, chegou no presidente candidato, chegou no presidente presidente, chegou no PT, e tudo formalmente. Agora não há mais como não colocar o tema em discussão", afirmou o pefelista. "A legislação eleitoral é muito clara: as contas de campanha são do candidato. Essa operação é uma operação feita pela candidatura do Lula da Silva. É inevitável que se inicie a discussão do processo de julgamento do presidente, com vistas ou não ao impedimento", concluiu.