Título: BC amplia volatilidade do dólar
Autor: Alex Ribeiro, Cristiane Perini Lucchesi e Luiz Sér
Fonte: Valor Econômico, 12/08/2005, Finanças, p. C1

Câmbio Flutuante Ausente desde março, autoridade volta e faz leilão frustrado de compra

Fora do mercado de câmbio desde 16 de março, o Banco Central realizou ontem de manhã leilão frustrado de compra de dólares. Os bancos se dispunham a vender moeda para ele por preço entre R$ 2,325 e R$ 2,350, mas o preço de corte do BC foi de R$ 2,298. Para o mercado, não teve negócio. Segundo o BC, houve alguma operação mínima. Nos três primeiros meses do ano, o BC comprou dos bancos US$ 10,22 bilhões. O BC não ofereceu maiores explicações sobre sua atuação, e os analistas ainda estão confusos sobre as reais motivações da autoridade monetária. De forma geral, porém, eles descartam a hipótese de que o BC tenha agido para fixar um piso para o dólar - algo como R$ 2,30. O objetivo, na verdade, teria sido evitar volatilidade no mercado de câmbio, por mais paradoxal que seja, já que o mercado se tornou mais volátil após a realização do leilão. Após o leilão frustrado, o dólar subiu 2,6% e disparou 3,77% depois do depoimento de Duda Mendonça à CPI dos Correios. Fechou em alta de 2,89%, a R$ 2,2346. Oficialmente, o BC divulgou apenas um comunicado no qual diz que "atuou no mercado de câmbio". A nota informa, na essência, que, ao contrário do que acreditava parte do mercado, o BC comprou moeda, ainda que em volume reduzido. O comunicado do BC nº 6.873, de 1999, diz que a autoridade monetária "tornará público sempre que atuar no mercado de câmbio, na compra ou na venda de moeda estrangeira". O valor adquirido, porém, só será conhecido em 15 dias, quando o BC divulgar a expansão monetária provocada pela operação. Para alguns analistas, diz muito o fato de a atuação ter sido por meio do BC, e não pelo Tesouro, como vinha ocorrendo até então. "A atuação foi pelo BC provavelmente porque havia um objetivo de política cambial", afirma Roberto Padovani, da Tendências Consultoria. Ainda há margem para novas operações por meio do Tesouro - que anunciou que compraria neste ano US$ 9,5 bilhões, dos quais apenas US$ 7,5 bilhões já foram adquiridos. O economista Luís Fernando Lopes, do Pátria Banco de Negócios, argumenta que, se o objetivo fosse apenas comprar dólares para reforçar as reservas, o lógico seria que a operação fosse feita pelo Tesouro, e não pelo BC. "Quando o Tesouro compra dólares para amortizar dívidas, economiza reservas", diz Lopes. Ele lembra que o Tesouro faz suas operações pelo BB, que é um simples agente do mercado e, portanto, não tem plena visão do que acontece . "Intervenções do BC são para fazer política cambial." O pano de fundo da atuação do BC é a abundância de dólares e o quadro inflacionário sob controle. O chamado hiato financeiro - ou seja, a sobra de dólares no mercado - é calculado em US$ 10,5 bilhões neste ano pelo BC. O forte fluxo de capitais e de comércio das últimas semanas, porém, tornou essa estimativa defasada. A Tendências, por exemplo, estima um hiato de US$ 9,9 bilhões apenas de julho a dezembro, e um total de US$ 24,8 bilhões no ano. Outro dado que favorece a volta das intervenções é que, hoje, o câmbio se tornou menos necessário como canal de transmissão da política monetária. O BC interrompeu suas atuações no câmbio em 16 de março passado, justamente quando foram divulgados dados negativos sobre a inflação corrente. Agora, volta ao mercado de câmbio em um cenário inflacionário mais benigno. O BC escolheu um péssimo dia para voltar a adquirir dólares do mercado. Ausente do câmbio há cinco meses, ele fez leilão de compra num dia de acirramento da crise política e de piora externa por causa do novo preço recorde do petróleo. A reação das mesas de câmbio foi de intensa irritação. Com sua intervenção, o BC potencializou as perdas com a zeragem de posições vendidas feitas em função dos possíveis desdobramentos das revelações feitas pelo publicitário Duda Mendonça. Depois que o Tesouro retirou-se, no dia 26 de julho, do mercado de câmbio justamente sob a alegação de que suas compras ampliariam a volatilidade insuflada pela crise política, esperava-se do BC conduta semelhante. Mas ele fez exatamente o contrário. "O BC e o Tesouro se reportam ao ministro da Fazenda. E parece que eles não estão conversando entre si. A discrepância dá sinais equivocados ao mercado", disse um operador. Uma ala mais irritada de operadores até lançou a hipótese de o BC ter feito o leilão só para fornecer um motivo aceitável para a alta do dólar, sabendo, de antemão, que Duda Mendonça iria provocar estragos. Operadores informaram que antes do leilão do BC o dólar já exibia alta de 0,75%, cotado a R$ 2,297, porque o mercado já sabia do teor do depoimento prestado pelo marqueteiro de Lula na véspera à Polícia Federal. Na Bolsa de Mercadorias & Futuros (BM&F), as perdas somente com posições vendidas em dólar foram de cerca de US$ 1,7 bilhão, considerando-se a desvalorização de 3,12% do real nos contratos de dólar futuro e de cupom cambial (DDI) - juros dos investimentos em dólar no país - em aberto no dia 10. Os investidores institucionais estrangeiros, que vinham carregando posições vendidas em dólar no total de US$ 11 bilhões nos mesmos dois contratos no fim do dia 10, passaram a reverter suas posições. Segundo um especialista que trabalha com esses investidores, o fato de Duda Mendonça ter afirmado que a própria campanha de Lula foi paga com caixa dois do PT assustou muitos estrangeiros. A demonstração de fraqueza política do governo, com a aprovação do mínimo de R$ 384 no Senado, também trouxe preocupação ao estrangeiro. A alta do preço do petróleo, que pode trazer inflação, e a atitude do Banco Central também afugentaram os estrangeiros. Segundo Luiz Campiglia, diretor do Itaú BBA, a alta no dólar não veio da atuação dos clientes finais. "Foram as tesourarias dos bancos que estavam vendidas em dólar e resolveram comprar", continuou ele. "Não houve movimento forte de compra dos importadores, que preferiram esperar para ver", afirmou o diretor.