Título: Condenação para a história
Autor: Abreu, Diego; Silveira, Igor
Fonte: Correio Braziliense, 14/04/2010, Brasil, p. 10

Julgamento do fazendeiro Bida pela morte da missionária Dorothy Stang é visto como um marco em crimes do gênero

Mais do que uma sentença, a condenação do fazendeiro Vitalmiro Bastos de Moura, o Bida, pelo assassinato da missionária norte-americana Dorothy Stang, em 2005, anunciada na madrugada de ontem, vem sendo vista por setores da sociedade como um golpe na impunidade de crimes por disputas de terra.

Essa é a avaliação, por exemplo, do advogado Edson Cardoso, promotor no caso. Depois de 15 horas de sessão, Bida, acusado de ser o mandante do crime, acabou condenado a 30 anos de cadeia. Detido desde fevereiro na cidade paraense de Altamira, ele foi conduzido à capital Belém para participar de seu terceiro júri popular. Em 2007, foi condenado, mas a legislação ainda permitia novo júri em caso de condenações superiores a 20 anos. No ano seguinte, foi inocentado, mas diante da grande repercussão negativa, a Justiça paraense anulou mais uma vez o julgamento.

¿A condenação é extremamente positiva e teve um efeito imediato em toda a sociedade. Conseguimos mostrar que a Justiça funciona, independentemente do poder aquisitivo do acusado. A defesa do réu, como é de praxe, deve recorrer. No entanto, o resultado dessa execração pública de Bida, que, aliás, é uma escolha dos advogados dele, tende a ser o mesmo que conquistamos dessa vez. É um caso de justiça e cidadania¿, comemorou Edson Cardoso.

O fazendeiro foi condenado por homicídio duplamente qualificado, pois houve promessa de recompensa financeira e uso de recursos que impediram a defesa da vítima. Bida tinha a posse ilegal de uma fazenda, a qual Dorothy lutava para que fosse destinada à reforma agrária. Ao apresentar sua defesa no julgamento que começou na segunda-feira, o réu voltou a dizer que é vítima no processo. Ele não respondeu às indagações da acusação e classificou como falsas as declarações de Amair Feijoli, um dos condenados, de que o fazendeiro foi o mandante do crime. Para Bida, Feijoli o acusou para obter delação premiada ¿ ele teve a pena reduzida em um terço depois de contribuir com as investigações.

Em uma manobra da defesa de Bida, o júri, que estava marcado para o último dia 31, acabou adiado para anteontem, quando o advogado do fazendeiro, Eduardo Imbiriba, novamente não compareceu. Ele mandou um representante, Arnaldo Lopes, que pediu novo adiamento. O juiz Raimuindo Moisés Flexa, porém, não aceitou o pedido e dois defensores públicos, designados previamente, atuaram como advogados de Bida.

Punição exemplar O coordenador da Comissão Pastoral da Terra no Pará, José Batista, também celebrou a condenação de fazendeiro. Ele ressaltou que a decisão dos jurados constitui um passo importante contra a impunidade envolvendo crimes no campo. ¿Agora, a Justiça atingiu, diretamente, o responsável, o mandante do assassinato. Isso, com certeza, vai contribuir para que essa fama de terra sem lei diminua¿, disse.

O senador José Nery (Psol-PA), que acompanhou o caso desde o início, classificou como uma ¿bravata¿ a possibilidade de a defesa recorrer da decisão. ¿Não houve fatos jurídicos ou processuais que indicassem falhas ou descumprimento das regras no julgamento. Essa é uma reação típica de mandantes acostumados com a impunidade¿, completou.

Irmão da missionária, o norte-americano David Stang, que mora nos Estados Unidos, foi até Belém para acompanhar o júri. Foi mais um que saiu com a sensação de que ¿a justiça está sendo feita¿. A defesa de Bida confirmou que vai recorrer da decisão, ao alegar cerceamento do direito de defesa.

Dorothy Stang, 73 anos, foi assassinada em fevereiro de 2005, em Anapu (PA), com seis tiros. A missionária atuou por três décadas lutando pelo direito à terra e em defesa de causas ambientais. Antes de ser assassinada, denunciou ter sofrido ameaças de morte.

Não houve fatos jurídicos ou processuais que indicassem falhas. Essa é uma reação típica (recorrer) de mandantes acostumados com a impunidade¿

José Nery, senador pelo Psol do Pará

Memória Unaí ainda sem solução

A condenação do acusado de ser o mandante do assassinato da missionária Dorothy Stang representa uma vitória da Justiça contra os casos de violência no campo. Porém, muitos crimes continuam sem qualquer tipo de punição até hoje. Em 28 de janeiro de 2004, os auditores Eratóstenes de Almeida Gonçalves, João Batista Soares Lage e Nelson José da Silva foram, acompanhados do motorista Aílton Pereira de Oliveira, realizar uma operação de fiscalização em fazendas próximas a Unaí, cidade mineira localizada a 153 quilômetros de Brasília.

Como a época era próxima à safra de feijão, os profissionais queriam analisar as condições de trabalho das pessoas contratadas para os serviços no campo. Os auditores fariam perguntas sobre salários, instalações e regime de trabalho durante a colheita. Em um trevo da rodovia MG-188, que dá acesso a Unaí e a Paracatu, os quatro funcionários da Delegacia Regional do Trabalho de Minas (DRT-MG) foram surpreendidos por uma emboscada. Todos morreram ao serem atingidos por vários disparos de armas de fogo.

Mais de seis anos depois, as nove pessoas que tiveram, segundo as investigações, algum tipo de ligação com o crime não foram julgadas. Um dos suspeitos é o prefeito reeleito de Unaí, Norberto Mânica (PSDB). (IS)