Título: Inflação menor dá fôlego à massa salarial
Autor: Sergio Lamucci
Fonte: Valor Econômico, 15/08/2005, Brasil, p. A4

Conjuntura Com índices de preços comportados, rendimento real aumenta e estimula setor de não-duráveis

O tombo da inflação deve dar um fôlego extra à economia no segundo semestre, impulsionando principalmente o consumo de bens semi e não-duráveis, como alimentos e vestuário. Com índices de preços comportados, a massa salarial real pode crescer mais do que se esperava. Para a MB Associados, por exemplo, é possível que o cenário mais benigno para a inflação abra espaço para uma expansão de 4% da massa neste ano, um pouco acima da previsão anterior de 3,5%. O Credit Suisse First Boston (CSFB), por sua vez, estima um crescimento de 4% a 5%. Também ajuda nessa avaliação a expectativa de que sindicatos importantes com dissídios no segundo semestre obtenham reajustes salariais um pouco acima da inflação. Com os juros elevados e o câmbio valorizado, as previsões dos analistas para a inflação tem caído semana depois de semana. Em maio, o mercado projetava um IPCA de 6,39%; atualmente, as estimativas caíram para 5,5%. Com isso, o rendimento real - descontada a inflação - pode registrar um crescimento um pouco mais forte neste ano. O economista Sérgio Vale, da MB, estima um avanço de 0,7% para o rendimento real, mas avalia que a expansão pode atingir 1,2%, devido ao comportamento mais tranqüilo dos índices de preços. Como prevê que o número de ocupados cresça 2,8% no ano, a projeção para a massa real de salários - que leva em conta o crescimento da ocupação e do rendimento real - poderia avançar 4% no ano. Para Vale, esse impulso pode dar algum fôlego a mais para o setor de bens semi e não-duráveis, cuja produção cresceu 6,7% no primeiro semestre. Não chega a ser um resultado ruim, mas é bem inferior aos 16,7% registrados no período pelo segmento de bens duráveis, como automóveis e eletroeletrônicos, que avançam com força devido à significativa expansão do crédito. Nos 12 meses terminados em junho, o total de empréstimos com desconto em folha de pagamento aumentou nada menos que 116%, para R$ 18,7 bilhões. Para o economista-chefe do CSFB, Nílson Teixeira, a perspectiva de um aumento da massa salarial real de 4% a 5% neste ano deve de fato dar um impulso a mais para os bens semi e não-duráveis, que tenderiam a contribuir mais para o crescimento da economia. O consumo de bens duráveis, por sua vez, passaria a crescer a um ritmo mais lento do que o registrado nos últimos meses, mas ainda assim bastante significativo. Teixeira tem uma das previsões mais otimistas do mercado para a expansão do PIB neste ano, de 3,4%. A economista Lygia de Salles Freire César, da Rosenberg & Associados, não faz previsões para a massa salarial, mas acredita que o refresco inflacionário pode fazer o rendimento real crescer 1,2% a 1,3%. Hoje, sua previsão é de 1%. Como Vale e Teixeira, ela também aposta que setores como alimentos, bebidas, vestuário e calçados é que devem se beneficiar de eventuais ganhos de renda real acima do esperado até o momento. Os analistas avaliam, porém, que esse fôlego extra, embora bem-vindo, não será dos mais intensos. Um ponto a ser observado é que a massa salarial real caiu com força entre 2001 e 2003, levando a uma corrosão significativa do poder de compra dos assalariados. A recuperação começou no ano passado, mas de forma modesta. Um outro problema lembrado por analistas como Vale é que muitos consumidores estão bastante endividados. Segundo ele, com o crescimento significativo dos empréstimos a partir do ano passado, principalmente do crédito consignado, muita gente já comprometeu boa parte da renda futura. Desse modo, não teriam fôlego para aumentar significativamente o consumo, mesmo de bens de preços baixos. Uma pesquisa da Federação do Comércio do Estado de São Paulo (Fecomercio) mostra que 67% dos consumidores estão endividados, o número mais alto desde os 70% registrados em dezembro de 2004. Entre os consultados que têm dívidas, 46% estão com prestações em atraso. Para o economista Francisco Pessoa Faria, da LCA Consultores, é possível que, em muitos casos, o provável ganho de renda real devido à inflação mais baixa seja destinado à quitação de dívidas já vencidas. Com isso, não sobraria muito dinheiro para aumentar significativamente o consumo. De qualquer modo, no caso de quem não tiver dívidas, Faria aposta que os recursos serão direcionados para a aquisição de mais bens semi e não-duráveis. Por enquanto, os economistas não revisaram para cima suas previsões para o crescimento da economia devido à perspectiva de que a queda de inflação proporcione um aumento da massa salarial real. A maior parte das previsões dos analistas continua na casa de 3%. De qualquer modo, trata-se de uma boa notícia. Como diz o economista-chefe do ABN AMRO, Mário Mesquita, ao melhorar a expectativa para o setor de bens semi e não-duráveis no segundo semestre, o crescimento daqui para a frente tende a ser mais equilibrado. Na primeira metade de 2005, a atividade econômica avançou principalmente devido ao impulso do crédito e do setor externo. Como o ritmo de expansão de empréstimos e financiamentos deve diminuir e o câmbio valorizado deve reduzir um pouco o ímpeto das exportações, é positivo que a massa salarial real seja um estímulo extra para a atividade econômica.