Título: Divergências impedem estratégia única
Autor: Cristiano Romero e Jaqueline Paiva
Fonte: Valor Econômico, 15/08/2005, Política, p. A7

Destaque Governo proporá mudar a lei para incluir a sonegação no rol de crimes antecedentes à lavagem de dinheiro

Divergências sobre o pronunciamento feito pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na sexta-feira, expuseram a dificuldade do governo em adotar uma estratégia única para enfrentar a crise política. No episódio, enquanto dois ministros - Márcio Thomaz Bastos, da Justiça, e Antonio Palocci, da Fazenda - insistiram para que o presidente pedisse desculpas à nação, outros dois assessores - Jaques Wagner, ministro das Relações Institucionais, e André Singer, porta-voz da presidência - o aconselharam a não ir por esse caminho. Wagner e Singer sustentaram a tese de que é possível enfrentar as denúncias e a crise amparando-se no apoio que Lula ainda possui em setores populares e sindicais. Bastos, Palocci e dois petistas influentes - o presidente interino do PT, Tarso Genro, e o governador do Acre, Jorge Vianna - que estiveram com o presidente antes do discurso à nação consideram insuficiente a mobilização das "bases". Depois de intenso debate, Lula concordou em incluir o pedido de desculpas no discurso, mas só o fez na parte final, de improviso. Ainda assim, não teve a ênfase necessária, na avaliação de Genro e de alguns ministros. A resistência de Lula em admitir os próprios erros, diz um auxiliar, e a pouca ascendência que ministros e assessores têm sobre ele dificultam a adoção de uma estratégia de reação à crise. "O presidente perdeu uma boa oportunidade de ir mais fundo, mas, pelo menos, não atacou as elites. Ele poderia, claro, ter sido mais enfático no pedido de desculpas", comentou um interlocutor de Lula. "Está claro que o governo não tem eficiência para administrar a crise", admite um colaborador de Lula, lembrando que o jantar com o polêmico presidente da Venezuela, Hugo Chávez, no dia mais crítico da crise até o momento, foi uma demonstração cabal de que não há um planejamento mínimo para enfrentar o momento atual. Segundo quatro participantes ouvidos pelo Valor, na reunião ministerial de sexta-feira não se discutiu diretamente a crise política, embora o tema estivesse presente no contexto das as apresentações. Após o discurso de Lula, no início da reunião, nenhum ministro fez comentários sobre o pronunciamento. Bastos fez um balanço sobre as investigações da Polícia Federal (PF), mencionou a colaboração que a PF vem dando às várias CPIs e anunciou algo concreto: a intenção de enviar projeto de lei ao Congresso com mudanças na Lei de Lavagem de Dinheiro. Bastos defendeu a idéia de incluir a sonegação fiscal no rol de crimes antecedentes à lavagem de dinheiro sujo. O objetivo é evitar que operações de lavagem de dinheiro, quando descobertas, sejam tipificadas apenas como crimes de sonegação, o que, em geral, não leva os culpados à prisão e, portanto, facilita a lavagem. A mudança inspira-se na linha de defesa usada tanto pelo empresário Marcos Valério quanto pelo marqueteiro Duda Mendonça. Ao terem confessado que se beneficiaram de esquemas de caixa 2, confessaram uma única falta, de natureza fiscal. Bastos referiu-se ao uso de caixa 2 como uma espécie de lavagem "limpa" de dinheiro, enquanto o narcotráfico seria uma "lavagem suja". O fato, observou, é que ambas são operações criminosas para "esquentar" dinheiro de origem ilícita. Embora esteja no contexto da crise, a mudança na lei já vinha sendo estudada há algum tempo. Chamou a atenção de alguns ministros o fato de que o presidente soube com antecedência do depoimento que Duda Mendonça faria à CPI e à PF, mas seus líderes no Congresso, não. A situação de Duda junto ao governo deve piorar nos próximos dias. Ele avisou ao presidente que daria depoimento contundente à Polícia Federal. Lula não teria feito recomendações para ele esconder o que sabia, mas pode ter ficado surpreso com o fato de que o depoimento foi enfático e o expôs em demasia. O troco pode vir esta semana. Auxiliares de Lula acham que o depoimento deve ser levado em conta na decisão que a Secretaria Geral da presidência tomará na próxima quarta-feira: se o contrato da Duda Mendonça, Lew Lara e Matisse, de R$ 131 milhões, para serviços de publicidade institucional do governo, será prorrogado por mais um ano. O contrato foi fechado em 2003 e renovado em 2005. Em tese, poderia ser renovado por mais três vezes até completar cinco anos, sem necessidade de nova licitação. Ainda na reunião ministerial, o ministro Palocci apresentou um balanço da economia. Wagner, que responde pela articulação política, mesmo sem falar abertamente da crise, tratou da fragilidade da base de apoio ao governo no Congresso e da necessidade de recuperação dessa base. Depois das revelações feitas por Duda Mendonça na CPI e na PF, cresceu a tendência a defecções tanto no PT quanto dos partidos aliados. Wagner disse que recebeu instruções do presidente para que ele e os ministros visitem mais o Congresso e prestigiem os líderes governistas e aliados. Lula, segundo participantes da reunião, disse não admitirá que a palavra de Jaques Wagner não seja cumprida.