Título: Arraes é homenageado como o 'guerreiro do povo brasileiro'
Autor: Paulo Emílio
Fonte: Valor Econômico, 15/08/2005, Especial, p. A12

Despedida Multidão acompanhou enterro do líder e transformou velório em ato político pró-Lula

Cerca de 10 mil pessoas, segundo cálculos da Polícia Militar, acompanharam o féretro do presidente do PSB, deputado federal e ex-governador Miguel Arraes. O corpo foi levado em carro aberto do Palácio Campo das Princesas, onde foi velado, ao cemitério Santo Amaro. Populares acompanharam o cortejo, que durou cerca de 40 minutos, entoando a palavra de ordem "Arraes, guerreiro, do povo brasileiro" e cantando o hino nacional. O líder político morreu na manhã do sábado e foi velado na sede do governo do Estado que ocupou por três mandatos, o primeiro deles interrompido pelo golpe militar de 1964. Foi no palácio do governo que foi preso, nos primeiros dias após o golpe; e foi lá que cerca de 15 mil pessoas, nas 24 horas que se seguiram à sua morte, foram dar adeus ao líder. O velório de Arraes acabou transformando-se num ato político. Os populares que se aglomeravam na frente do palácio receberam o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que chegou às 9h40 de ontem, com o "Olê, olê, olá, Lulá" das campanhas eleitorais. Mais tarde, a multidão dedicou vaias aos tucanos Geraldo Alckmin, governador de São Paulo, e José Serra, prefeito da capital paulista. Repetiu a manifestação de desagrado quando chegaram ao velório a senadora Heloísa Helena (Psol-AL) e o senador Cristóvam Buarque (PT-DF), ambos em rota de colisão com o governo. A senadora foi chamada de "traíra", termo que significa "traidora". O presidente Lula não ficou para o enterro. Chegou pela manhã, ficou ao lado do caixão por algum tempo e depois conversou com a viúva, dona Madalena, nos aposentos que o governo destinou para o descanso dos familiares de Arraes. Segundo o porta-voz da Presidência, André Singer, Lula disse à família do líder: "Foi com Arraes que muita gente pôde comprar o primeiro colchão, o primeiro rádio de pilha e teve acesso pela primeira vez à luz elétrica. O que nos consola é saber que a passagem de Miguel Arraes pela terra valeu a pena". Os dez filhos e os netos - entre eles o ex-ministro Eduardo Campos - acompanharam o velório e o enterro sob forte emoção. Estiveram presentes ao velório e ao enterro ministros e políticos de vários partidos. A ex-prefeita Marta Suplicy e o deputado José Dirceu fizeram suas despedidas a Arraes na madrugada do domingo. Com Lula, chegaram os ministros Aldo Rebelo, Jaques Wagner, Ciro Gomes, Sérgio Rezende, Dilma Roussef, Agnelo Queiroz e Waldir Pires. Também prestaram homenagens à família o músico Caetano Veloso e o senador Pedro Simon. Foram enviadas mais de 160 coroas de flores com mensagens de condolências a família, por empresários e personalidades políticas internacionais, entre eles a do presidente de Cuba, Fidel Castro. A presença das autoridades, no entanto, não inibiram a homenagem popular ao "pai Arraia", como o líder era chamado pela população pobre. Cerca de 400 trabalhadores rurais da zona canavieira engrossaram a multidão e eram reconhecidos pelos chapéus de palha - é esse também o nome do programa que o ex-governador fez para combater o desemprego na região, na entressafra. Arraes foi internado no dia 17 de junho com sintomas de dengue e infecção pulmonar. Na madrugada do sábado, o seu quadro clínico agravou-se em função de um choque séptico provocado por infecção respiratória e por uma insuficiência renal. Veio a falecer na manhã do sábado. O governador Jarbas Vasconcelos, que está na Coréia do Sul em missão oficial, e o governador em exercício, Mendonça Filho, decretaram luto oficial de três dias. A prefeitura do Recife também decretou luto oficial pelo mesmo período. O líder socialista foi enterrado em um túmulo simples, coberto de grama. Na lápide foi escrita uma frase inspirada em um poema de Carlos Drummond de Andrade: "O homem marcado pelas duas mãos e o sentimento do mundo". No cemitério, onde cerca de 4 mil pessoas aguardavam a chegada do corpo do "pai Arraia", o corpo do líder foi recebido com uma salva de tiros de fuzil.