Título: Deflação amplia taxa real e dívida pública paga a conta
Autor: Alex Ribeiro
Fonte: Valor Econômico, 15/08/2005, Finanças, p. C1
A combinação de inflação corrente em queda com recuo nas expectativas inflacionárias está pressionando as taxas reais de juros, calculadas pelos principais critérios. A deflação recente especialmente dos índices gerais de preços (IGPs) produz um efeito que tem sido pouco notado - a expansão dos juros reais pagos pelo setor público, com reflexos negativos sobre a dívida. Fato pouco comum, em junho os juros reais pagos pelo setor público, que somaram R$ 16,959 bilhões, foram maiores que os juros nominais, que ficaram em R$ 15,234 bilhões. No mês anterior, maio, havia ocorrido fenômeno semelhante: os juros reais chegaram a R$ 16,361 bilhões, ante R$ 13,711 bilhões de nominais. "Quando há inflação, parte dos juros pagos pelo setor público é corroída", diz o economista Maurício Oreng, do Unibanco. "Se há deflação, o efeito é inverso, com impacto fiscal." Do ponto de vista das contas fiscais, o juro real relevante é o chamado "ex-post" - ou seja, o efetivamente ocorrido. Ele representa o que de fato o governo pagou de juros aos investidores. Em maio, por exemplo, a Selic efetiva no mês foi de 1,5%. Mas, em termos reais, os investidores receberam 1,72%, considerando a deflação de 0,22% no IGP-M. Cálculos semelhantes elevam a remuneração aos investidores de 1,59% (Selic efetiva) para 2,04% reais em junho, considerando uma deflação de 0,44% no IGP-M. Em julho, com deflação de 0,34%, é esperado um evento similar. Os percentuais acima têm efeitos negativos sobre a a dinâmica da divida líquida em relação ao Produto Interno Bruto (PIB). "A queda dos IGPs significa que teremos uma projeção menor para o PIB no final do ano", diz Oreng. Com a queda recente da inflação, a projeção para o deflator implícito do PIB foi revisto pelo Unibanco de 6% para 5%. Quando menor o PIB nominal, maior a relação dívida/PIB. "O movimento ainda é pequeno, mas, dependendo de outras variáveis, poderá representar um risco à tendência de queda da dívida/PIB." O outro critério para os juros reais é o chamado "ex-ante" - ou seja, o projetado para o futuro. Esse é o conceito mais relevante para as decisões econômicas que usam a taxa de juro como parâmetro - caso, por exemplo, dos investimentos e do crédito. Duas metodologias são mais usadas para calcular os juros ex-ante. Uma delas é usar tanto a inflação quanto os juros projetados pelo mercado financeiro para o futuro. Por esse critério, usando os dados mais recentes, a taxa básica real estava em 12,67% ao ano há uma semana. O percentual vem se mantendo mais ou menos constante desde o início deste ano. De um lado, a taxa de inflação projetada para os próximos 12 meses vem mantendo tendência de queda desde meados de maio, quando passou de 5,85% para 4,8%, segundo a pesquisa semanal do BC com cerca de 100 instituições financeiras. Essa queda de 1 ponto percentual, por si só, deveria provocar aumento dos juros reais. Mas, paralelamente, o mercado passou a projetar juros um pouco menos elevados no mercado futuro, incorporando o diagnóstico de que a inflação em queda irá exigir um menor esforço da política monetária. Do fim de abril ao dia 5 de agosto, a taxa projetada nos contratos de swap de 360 dias recuou de 18,16% para 18,08% ao ano. Tomando como base tanto a inflação quanto os juros projetados, a taxa real oscilou de 12,57% para 12,67% ao ano no período. Outro critério para medir a taxa de juros ex-ante é comparar a inflação projetada nos próximos 12 meses com a taxa Selic atual. Por esse critério, a taxa real subiu quase um ponto percentual desde maio, quando o BC parou se subir o juro básico - passando de 13,39% para 14,26% ao ano. Esse critério, embora bastante utilizado, tem significado econômico restrito, já que não tem influência sobre os juros pagos pela dívida nem sobre as decisões de investimento e de consumo dos agentes econômicos.