Título: Os fundos de pensão como credores da Previdência
Autor: Fernando Schiafino Souto
Fonte: Valor Econômico, 15/08/2005, Legislação & Tributos, p. E2

"As entidades de previdência privada acabaram bancando a derrapagem oficial em relação aos benefícios previdenciários"

A Lei nº 10.999, publicada no Diário Oficial da União do dia 15 de dezembro de 2004, tratou de autorizar a revisão dos benefícios previdenciários concedidos com data de início posterior a fevereiro de 1994, recalculando-se o salário-benefício original mediante a inclusão, no fator de correção dos salários-contribuição anteriores a março de 1994, do percentual de 39,67% referente ao Índice de Reajuste do Salário Mínimo (IRSM) do mês de fevereiro de 1994. A referida legislação é - antes de tudo e a despeito de ter sido formulada com o intuito de fomentar acordos judiciais - um ato de reconhecimento do direito dos aposentados ao reajuste de 39,67% sobre os benefícios que tenham sido concedidos após o mês de fevereiro de 1994. Todavia, quanto aos aposentados que possuem os benefícios complementados ou suplementados por entidades de previdência privada, a situação é diversa, porque foi esta última quem, em derradeira análise, arcou com o pagamento da respectiva diferença. Significa dizer que os aposentados que receberam suplementação ou complementação dos benefícios por entidade de previdência complementar não sentiram o pagamento estatal a menor justamente porque auferiram as diferenças confessadas pelo governo da entidade privada. Vale observar que há relação direta entre os benefícios estatais concedidos e as complementações pagas pelas entidades de previdência privada, porquanto o valor de uma influi na mensuração da outra, de sorte que a concessão de um benefício estatal a menor acarreta, invariavelmente, na destinação de complementação maior, derivando daí o prejuízo das entidades de previdência privada, que acabaram bancando a derrapagem oficial.

Os fundos de pensão é que pagaram a conta do erro governamental, o que os torna credores das quantias despendidas

Claro que nem todas as situações de complementação previdenciária estão abrangidas pela fórmula acima, mas as exceções, neste caso, apenas confirmam a regra geral de que os fundos de pensão é que pagaram a conta do erro governamental. Isso os torna, segundo as regras do direito, em credores das quantias despendidas, porquanto a ninguém se permite locupletar às custas alheias, ainda que este ninguém tenha sede em Brasília. A situação de crédito em favor das entidades de previdência privada em nada se altera ante o fato de que boa parte dos aposentados já obteve na Justiça as diferenças de que trata a referida lei. A pretensão que assiste aos fundos de pensão, neste caso, é própria, em virtude do erro (confessado) na apuração do fator de correção do Índice de Reajuste do Salário Mínimo do mês de fevereiro de 1994, não havendo de ser perseguida a satisfação da mesma junto aos participantes. O fundamento legal há de ser a indenização por ato ilícito, mas bem poderia ser a cobrança pelo pagamento com sub-rogação, pois o que as entidades de previdência complementar fizeram não foi senão pagar pelo governo a dívida agora reconhecida pela Lei nº 10.999/2004. De qualquer sorte, e independentemente do fundamento legal a ser adotado, se indenização por ato ilícito ou cobrança de crédito pelo pagamento com sub-rogação, a verdade é que as entidades de previdência complementar possuem um crédito junto ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) que deverá ser saldado por este, sob pena de se estar transferindo ao setor privado um rombo de alguns milhões de reais. Segundo estatísticas da Secretaria da Previdência Complementar no informe estatístico de dezembro de 2004, no mês de dezembro de 2004 foram apurados 613.272 benefícios em manutenção pelas 366 entidades de previdência complementar existentes atuantes no país. Partindo do pressuposto de que um terço desses benefícios encontram-se abrangidos pela Lei nº 10.999/2004, tem-se que as entidades de previdência complementar pagaram pelo governo algo em torno de R$ 2 bilhões, que deverão ser buscados na Justiça. É mais um esqueleto no armário que com certeza vai ser transferido para o próximo governo.