Título: Planalto prepara contra-ataque
Autor: Raymundo Costa
Fonte: Valor Econômico, 16/08/2005, Política, p. A6

Se a oposição julga que o pedido de desculpas do presidente da República foi tímido, ilude-se ao imaginar que ele possa voltar à televisão e fazer uma expiação maior de culpa. A tendência do presidente é justamente a de fazer o contrário: partir para o contra-ataque e dizer que não reconhece autoridade de quem fez igual para botá-lo para fora. A linha do discurso delineada no Planalto é que Lula aceita a indignação do povo brasileiro, mas não aceita a indignação do PSDB e PFL, cujas contas de campanha também não resistiriam a um exame mais apurado. Só o caixa 2 da reeleição de Fernando Henrique Cardoso, em 1998, teria sido de pelo menos R$ 10 milhões, conforme denúncias à época. Nessa linha, a "indignação dos justos" manifestada por tucanos e pefelistas, no atacado, não passariam de atitudes farisaicas, hipócritas. A campanha de Eduardo Azeredo à reeleição, em 1998, no oficial já fora a mais cara do país. Agora, sabe-se que teve um reforço do caixa 2 de mais R$ 11,5 milhões. No varejo, nem mesmo o senador Aloizio Mercadante (PT-SP), que é líder do governo no Senado, poderia dizer que não se reconhece "num partido com esse tipo de prática". Mercadante até pode dizer que não conhecia o santo, que tanto faz chamar-se Marcos Valério de Souza ou Marco Polo, como dizia ontem um bem-humorado conselheiro de Lula. Mas certamente ele não pode afirmar que desconhecia o milagre - o de que havia caixa 2 nas campanhas do PT. Foi o caminho escolhido para eleger os prefeitos de cidades estratégicas, em 2004, e governadores e a maioria parlamentar em 2006. A reação de Lula parte do princípio de que a opinião pública admite que os chefes de Estado cometam erros, mas não admite que eles sejam fracos, pusilânimes, e quer ver na autoridade aquilo que não tem - o exercício pleno do poder. Floriano Peixoto e Ernesto Geisel seriam dois exemplos. O primeiro resolveu suas desavenças à maneira da República Velha, a bala; Geisel não precisou chegar a tanto para dobrar o general Silvio Frota, mas seus escudeiros estavam armados no aeroporto de Brasília para recepcionar os generais do Alto Comando convocados pelo ministro do Exército para avalizar o golpe.

Lula acha farisaica indignação da oposição

As armas de Lula seriam outras. Circulam no governo alguns números estratosféricos: para US$ 100 bilhões em circulação legal no país, haveria algo em torno de US$ 150 bilhões de caixa 2 brasileiro no exterior. Esse seria o dinheiro que move "por fora" as campanhas eleitorais, ao qual, em algum momento, recorreram todos os partidos políticos. A idéia central é dizer que há um "defeito congênito" no sistema, aliás, reconhecido numa frase recorrente da oposição, ao longo da crise: "O PT demonstrou que é um partido igual aos outros". Confissão inconsciente de culpa que não retiraria os direitos da oposição de cobrar os erros do PT, mas que lhe diminuiria a autoridade para pedir o impeachment de Lula. Com essa estratégia, políticos que falaram com o presidente nas últimas horas avaliam que nem ele nem o PT serão absolvidos, é certo, mas Lula poderá ao menos empatar o jogo ao dizer que não aceita a indignação farisaica da oposição. Pode até se beneficiar de certa "compreensão" das classes C, D e E, que podem acreditar que ele foi envolvido e iludido pela nomenclatura mais culta do PT, algo que FHC teria muitas dificuldades para dizer em relação à cúpula do PSDB. O ambiente atual do Congresso é de muita dúvida. Não há força nem interesse dos partidos políticos, no momento, de decretar o impedimento do presidente da República. Por outro lado, há o temor de que a crise possa se agravar, uma característica, quase um padrão, nesses 13 meses, o que poderia tornar a situação do presidente insustentável politicamente. O próprio Congresso, especialmente a Câmara dos Deputados, tem dificuldades para tratar do impedimento do presidente Lula da Silva, sem antes tratar da limpeza interna. Além disso, a alternativa a Lula, por enquanto, seria o presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE), e não o vice José Alencar, igualmente enrolado nas denúncias de caixa 2 na campanha do PT em 2002. Levando a população a crer que não fez nada além do que já fez a oposição, o governo acredita que Lula terá a condescendência das ruas. A vaia dada nos tucanos, no funeral de Miguel Arraes, foi entendida como um sinal no Planalto.