Título: Carestia assusta terceira idade
Autor: Martins, Victor
Fonte: Correio Braziliense, 14/04/2010, Economia, p. 13

Produtos e serviços demandados por quem tem mais de 60 anos deram o maior salto desde que o levantamento começou a ser feito, em 2004

A inflação para os idosos registrou alta recorde no primeiro trimestre do ano, segundo levantamento da Fundação Getulio Vargas (FGV). No período, a cesta de produtos e serviços para quem tem mais de 60 anos ficou 2,72% mais cara, o maior índice desde 2004, quando a verificação começou. Os preços de itens relacionados à saúde, educação, transporte e moradia dispararam neste início de 2010, comprometendo mais intensamente a renda dessa parcela da população. Mas nenhuma dessas elevações foi tão forte quanto a dos alimentos, que subiram 5,80% entre janeiro e março, resultado recorde no Índice de Preços ao Consumidor da Terceira Idade (IPC-3i).

Na avaliação de especialistas, essa carestia foi influenciada por efeitos climáticos e pelo aquecimento da economia. ¿Alimentação e medicamentos pesaram bastante nesse resultado. Está havendo um consumo mais elevado. No caso dos alimentos, não creio que essa pressão vá continuar porque o excesso de chuvas deste início de ano deve passar e teremos uma boa safra¿, ponderou o professor de economia Alcides Leite, da Trevisan Escola de Negócios.

Chuvas O economista André Braz, da FGV, também acredita que os preços devem dar um alívio nos próximos meses, ao menos no custo dos alimentos. ¿A inflação deve começar a vir mais baixa a partir de abril, justamente por conta da batata, do tomate e de outros produtos sensíveis às chuvas. O recuo poderia ser até maior, mas não podemos contar com baixas em feijão, leite e carnes¿, afirmou Leite.

Além dos efeitos da estação chuvosa, analistas garantem que a inflação está ¿disseminada¿ sobre os preços por causa do crédito farto, do aumento do poder aquisitivo do brasileiro e, em consequência, da forte expansão do consumo frente a oferta. No primeiro trimestre de 2009, a inflação para a terceira idade foi de 1,51%, com crescimento de 1,21 ponto percentual neste início de 2010.

¿Com o excesso de chuvas e a demanda elevada, quem sofreu mais neste primeiro momento é a população de mais baixa renda e na terceira idade, principalmente por conta dos alimentos, que consomem o grosso dos rendimentos mensais¿, avaliou o economista.

Leite e batata Entre os vilões do preço alto, o tomate ainda figura imbatível no topo da lista, com elevação de 61,06% nos primeiros três meses de 2010. Açúcar refinado e batata-inglesa aparecem juntos na segunda posição, com alta de quase 30% no período.

O leite longa-vida, indispensável na terceira idade por ser rico em cálcio, ficou 18,85% mais caro. ¿Em dezembro de 2009, a captação de leite diminuiu, o que justifica essa redução atípica de oferta e deixa entender que há algo errado no pasto, talvez por causa do volume de chuva¿, afirmou Braz.

¿Os serviços também pressionaram bastante e não devem dar alívio no decorrer do ano¿, concluiu Leite. Impulsionados pelo salário mínimo, os custos com empregados domésticos, por exemplo, ficaram 4,51% mais altos para a terceira idade, valor superior aos 4,25% de igual período do ano passado.

Os serviços de vestuário (costura e reparos) avançaram 2,92% no primeiro trimestre do ano e os médicos, de grande peso no orçamento das pessoas com mais de 60 anos, 2,69%.

O importante é que a inflação está na meta para os próximos 12 meses e na meta para 2011, que é o nosso intervalo relevante de planejamento¿

Henrique Meirelles, presidente do Banco Central

Meirelles defende juros altos

Quando todos os olhos do mercado e do próprio governo estão voltados para a decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) sobre a taxa básica de juros (Selic(1)), nos dias 27 e 28, o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, reforçou ontem o compromisso de manter a inflação dentro da meta oficial, cujo centro é de 4,5% anuais. Em conferência no 23º Fórum da Liberdade, em Porto Alegre, ele defendeu a Selic como o instrumento mais eficaz e imediato para manter os preços sob controle. Meirelles garantiu que qualquer movimento do Copom terá como objetivo a estabilidade do poder de compra do trabalhador, o que garantirá investimentos e evitará riscos desnecessários.

No seu discurso, o presidente do BC afirmou que vários fatores podem contribuir para a redução do custo de vida a médio e longo prazos, como a abertura do mercado aos produtos importados e o corte de impostos sobre projetos produtivos. Mas fez uma ponderação. ¿O problema é quando nos fixamos nessas questões ideais ou no que deveria ser e deixamos de controlar a inflação pelo instrumento que tem resposta rápida em curto prazo e funciona muito bem, que é a taxa de juros¿, argumentou. Para ele, o Brasil foi ¿campeão¿ em tentativas de estabilização que fracassaram por se preocupar com as consequências e não com as causas da alta de preços.

As afirmações sacramentaram a decisão de aumentar a Selic ainda em abril. ¿O importante é que a inflação está na meta para os próximos 12 meses e na meta para 2011, que é o nosso intervalo relevante de planejamento¿, disse. As projeções do BC para o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) são de 4,9% neste ano e de 5,2% no ano que vem. Como existe um intervalo de dois pontos percentuais para cima e para baixo, o teto da meta é de 6,5%. Os ajustes na Selic nas próximas reuniões, que devem levar a taxa a até 13% segundo a estimativa de alguns analistas, já vão mirar o resultado de 2011, pois as decisões de política monetária demoram pelo menos seis meses para surtir efeito.

Meirelles reiterou que não teme eventuais prejuízos eleitorais ao governo por causa das decisões do Copom. ¿Hoje, a maioria do eleitorado e da população brasileira já sabe que o problema é a inflação¿, disse. Para ele, um eventual aumento da Selic tampouco afetaria negativamente o desenvolvimento do país.

1 - Debate intenso A taxa básica de juros (Selic) é definida pelo Comitê de Política Monetária (Copom), em média, a cada 45 dias. O comitê é composto pelos diretores do Banco Central, que, durante dois dias, discutem todos os indicadores da economia para avaliar se há ou não necessidade de um arrocho no nível de atividade. A Selic não sobe desde setembro de 2008.

O número 13% Estimativa de alguns analistas para a taxa Selic no início de 2011

Discurso orientado

Vânia Cristino Deco Bancillon

No momento em que o Banco Central (BC) está sendo pressionado pelo mercado ¿ ninguém duvida que os juros vão subir na reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) no fim do mês ¿, o futuro diretor de Assuntos Internacionais do BC, Luiz Awazu Pereira da Silva, partiu para a defesa do sistema de metas de inflação na sua sabatina, na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado (CAE). Juros não serão, propriamente, a área de atuação do novo diretor, mas o discurso em prol da atuação forte da instituição no controle da inflação e da solidez fiscal do país mostra que ele foi bem orientado pelo presidente da autoridade monetária, Henrique Meirelles.

Antes do discurso acadêmico e cheio de expressões do mais puro economês, quando também reforçou a importância do câmbio flutuante, o diretor já tinha como certa sua aprovação, o que acabou ocorrendo, por unanimidade, com todos os 18 parlamentares que passaram pela sessão concordando com a indicação. Preocupados com a hora do almoço, os senadores votaram antes da arguição do economista, o que não é comum. Apenas três senadores ¿ Eduardo Azeredo (PSDB-MG), Eduardo Suplicy (PT-SP) e Neuto de Conto (PMDB-SC) ¿ esperaram o fim da sabatina, no início da tarde, para proferir seu voto.

Em seu discurso, o economista, ex-secretário de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda, disse, no mesmo tom de Meirelles, que o Brasil ganhou muito com a política de acumulação de reservas. Ele classificou como ¿extremamente remoto¿ o risco de o país sofrer uma crise cambial devido à dificuldade de financiamento do deficit em conta-corrente. O país, segundo Awazu, tem hoje uma condição confortável para o financiamento do deficit, praticamente coberto com investimentos diretos.