Título: Cristovam adia discurso de desfiliação
Autor: Maria Lúcia Delgado e Daniel Rittner
Fonte: Valor Econômico, 16/08/2005, Política, p. A10

O senador Cristovam Buarque (PT-DF) resolveu adiar por mais alguns dias o anúncio oficial de seu desligamento do PT, mas fez ontem um discurso no plenário em que confirma a decisão de deixar a legenda. Na sessão solene em homenagem à memória do ex-governador Miguel Arraes, o petista disse ter ficado com a sensação de que "desapareceu o último líder das forças progressistas" no país. A crise, disse o ex-governador do Distrito Federal, revela que nenhum partido político tem o monopólio das bandeiras da justiça social e que "esse sonho não vai sair de nenhum dos partidos de esquerda" que hoje existem. Ele observou que a esquerda no Brasil terá que ser "refundada" e garantiu que pensará bem qual das siglas permitirá isso. "O principal compromisso não é com a força corporativa dos trabalhadores organizados, mas com a massa dos excluídos deste país", afirmou, numa clara crítica ao PT. Após citar que Miguel Arraes defendeu a mesma bandeira ao longo de toda a vida, a despeito de ter pertencido a quatro legendas, Cristovam Buarque afirmou que há hoje no Brasil "um vazio de ideais e propostas, um verdadeiro caos partidário e ideológico". O senador petista confidenciou a amigos que deixará mesmo o PT. O mais provável é que ingresse no PPS. Ele também recebeu um convite para entrar no PDT, mas se inclina pela legenda comandada pelo deputado Roberto Freire (PE). "O PPS tem uma cara mais moderna", explicou Freire, que disse ter conversado com o senador nos últimos dias. Preocupados com o efeito da saída de Cristovam do PT, os senadores Eduardo Suplicy (SP) e Sibá Machado (AC) tentaram sensibilizá-lo ontem, mas não conseguiram alterar a decisão já tomada por ele. Do plenário do Senado, onde participavam da sessão em homenagem a Arraes, os três foram diretamente para o gabinete de Suplicy. Eles conversaram por menos de dez minutos e saíram pela porta dos fundos, sem falar com a imprensa. De acordo com Sibá, qualquer decisão de Cristovam só será anunciada formalmente após uma reunião da bancada do PT no Senado, hoje à tarde, que fará um último apelo para que ele fique no partido. "Não pode ser um apelo emocional, temos que saber quais são exatamente as preocupações dele", afirmou. Sibá disse que a idéia é, após a reunião, levar Cristovam para um encontro com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e com o presidente do PT, Tarso Genro. Conforme o relato do senador acreano, Cristovam "está para baixo" desde a sua saída do Ministério da Educação, em 2004, e atribui a sua vontade de sair muito mais às divergências sobre a condução do governo do que a "crise ética" que o PT está vivendo.