Título: Uma crise ainda sem sinais de desvalorização cambial
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 16/08/2005, Opinião, p. A16

Em todas as crises recentes da história brasileira - políticas, como no período anterior à vitória de Lula ou no impeachment de Collor, e econômicas -, o indicador vital das turbulências foi a cotação do dólar. A regra parece estar sendo quebrada agora, apesar de alguns solavancos na cotação da moeda americana. Esse é um bom fruto da fase de estabilidade econômica que a tempestade política que se abate sobre o governo e o PT não conseguiu ainda abater. A diferença entre as duas situações está em que agora o Brasil consegue gerar dólares para pagar suas contas de uma forma muito mais saudável que nas vezes anteriores - via robustos superávits comerciais - e com endividamento externo em queda. Além disso, uma conjuntura internacional muito favorável está reduzindo fortemente a probabilidade de que o país sofra, por constrangimento dos investidores externos, uma crise de liquidez interna ou externa. Ao contrário, a liquidez abundante nos mercados internacionais, resultado das mais baixas taxas de juros em meio século, têm beneficiado os exportadores e as empresas brasileiras que captam recursos no exterior. Como informou ontem o Valor, os bancos de investimentos e fundos externos têm procurado boas oportunidades de risco para melhorar sua rentabilidade. Boas empresas estão conseguindo reduzir o custo do crédito externo por meio de uma repactuação que corta substancialmente os prêmios. Foi o caso da Telemar, onde eles caíram de 2,25% a 4,5% para 0,5% a 1,625%. Caso não aceitasse a redução, a empresa brasileira simplesmente pré-pagaria o empréstimo. Para amparar os superávits comerciais e auxiliar na "blindagem" externa da economia, o câmbio flutuante tem um papel decisivo. As hostes do capital especulativo estão sendo mantidas à distância dado o grau de volatilidade permitido pelo sistema. É certo que a arbitragem com as taxas de juros reais mais altas do mundo rendem um bom dinheiro, mas o risco subiu exponencialmente. Como mostra Claudio Haddad, em artigo no Valor (12 de agosto), a média de volatilidade do período 1999-2005, após a adoção do novo sistema de câmbio, subiu para 14,6% ao ano - antes era de apenas 1%. Essa volatilidade pode ter suas vantagens, mas carrega certamente inconvenientes para o planejamento das empresas e não é um sinal adequado do grau de robustez ou maturidade de uma economia. O real forte reanima os temores de que o impulso exportador, que tanto custou para ser reconstruído, possa ser novamente quebrado. Os juros muito altos alimentam essa convicção, mas a inexistência de um enorme afluxo de capitais de curto prazo e o fôlego inusitado das vendas externas indicam que há em ação outros fatores que não apenas o custo do dinheiro interno. Segundo Haddad, o preço médio das exportações subiu 20% desde janeiro de 2004, mais que contrabalançando a apreciação. Outros economistas apontam a demanda mundial firme ainda por um bom período de tempo, graças à entrada da China e da Índia no mercado de consumo mundial, como uma barreira à desvalorização expressiva do real, quando os juros internos começarem a declinar. Se não há dúvidas de que juros altos atuam para valorizar o câmbio e derrubar a demanda interna, é preciso levar em consideração o ganho financeiro dos exportadores com a antecipação dos contratos de câmbio e a sua capacidade de se financiar a taxas mais baixas no mercado internacional. Por outro lado, juros reais elevados como os atuais eliminam a possibilidade de se aumentar o número de empresas que poderiam se lançar ao mercado externo e que têm de pagar um custo de capital muito superior ao dos competidores. No médio prazo, até o final do mandato de Lula, tudo indica que persistirá um vento favorável no mercado global que continuará assegurando grandes saldos comerciais. A crise política pode atrapalhar esse cenário positivo apenas se o impeachment do presidente for instaurado e não houver o menor grau de clareza a respeito de um eventual sucessor. Esse ambiente tende a paralisar a intenção de investir e, no caso das oscilações para cima do câmbio, a pressionar a inflação. Neste caso, seria aguçada a já excessiva cautela do BC e a economia poderia apontar, como no passado, para novo período de estagnação. Mesmo assim, ela nunca esteve em tão boas condições de ignorar crises como agora.