Título: O turismo sustentável e o alívio da pobreza
Autor: Marcelo Côrtes Neri
Fonte: Valor Econômico, 16/08/2005, Opinião, p. A17

Como conseqüência do movimento recente de repensar a questão da pobreza em escala global, notadamente após a adoção das metas de desenvolvimento do milênio, a Organização Mundial do Turismo (OMT) passou a discutir o desenvolvimento da atividade turística como parte integrante de estratégias para eliminação da pobreza no mundo. Aqui no Brasil, esta discussão começa a ganhar corpo na parceria fixada entre o Ministério do Turismo e o Banco Mundial sob o título de Turismo Sustentável e Alívio da Pobreza (TS-AP). Seminário recente organizado por ambas instituições reuniu um grupo de especialistas para discutir a questão. Discuto aqui se e como é possível tornar a atividade turística mais favorável às camadas mais desfavorecidas da população. Ou seja, como tornar a entrada de turistas uma autêntica porta de saída da pobreza. De maneira geral, o turismo está associado à transformação do patrimônio natural e cultural das localidades em fontes de receitas e de incremento de bem estar. Natureza e cultura são bens públicos sujeitos a externalidades que precisam ser regulados para que a sua conservação e a distribuição dos benefícios obedeça à lógica do retorno social. A redução da pobreza pode ser vista como outra externalidade da atividade que carece de cuidados especiais. Mas a regulação deve procurar preservar a parte privada do retorno social da atividade turística, caso contrário a mesma não será exercida de maneira sustentável. Neste aspecto, cabe lembrar a importância de que a escolha de serviços turísticos oferecidos por produtores pobres, seja como empregados seja como nano empresários, tenha demanda. Ou seja, não basta desenvolver apenas o lado da oferta de qualidade com eficiência técnica, além de conservacionismo social, ambiental e cultural, mas há que se escolher combinações de destinos e segmentos de mercado com efetivo potencial de mercado. É importante ainda adotar postura equilibrada que evite excessos de renúncia fiscal redutora da capacidade de financiamento de ações sociais. A adoção de procedimentos tributários, como Ecotaxa e taxa de estadia pelo uso de território, pode contribuir para harmonizar objetivos econômicos e sociais com responsabilidade fiscal, cultural e ambiental desejados. Outra questão relacionada é a implementação de programa de regularização fundiária, pois é freqüente a população nativa vender suas propriedades antes do boom imobiliário e/ou a preços aviltados. A ordenação da ocupação imobiliária também pode garantir mais receitas de IPTU para prefeituras dos destinos turísticos. A adoção de ações afirmativas à população nativa pode ser justificada não só por princípios éticos, mas também como uma forma de reduzir a depreciação do patrimônio cultural e natural da comunidade. A idéia de que os nativos seriam mais conservacionistas é passível de investigação empírica.

A atividade turística não deve ser colocada como única opção de financiamento, mas lado a lado com outros investimentos produtivos alternativos

A implementação de atividades turísticas, para que sejam sustentáveis, deve ser acompanhada de investimento em capital humano, aí incluída a formação profissional em áreas estratégicas, como os cursos de treinamento de mão de obra, educação à distância e etc. Se o horizonte de planejamento for elástico, para que as atividades turísticas sejam sustentáveis e seus benefícios apropriados pela população nativa, é preciso reforço do ensino básico nos destinos turísticos. Neste sentido, a combinação com programas de transferências condicionadas de renda, como Bolsa-Família e PETI, pode aumentar a atratividade da escola e evitar aumento do trabalho precoce associado a um boom turístico. Especial atenção deve ser dada ao que a Organização Internacional do Trabalho (OIT) chama de piores formas de trabalho infantil associadas ao incremento de atividades turísticas predatórias, tais como prostituição e tráfico de drogas entre outras. Ainda no que tange a aspectos educacionais, é importante enfatizar investimentos de base ligados ao turismo, como o aprendizado de línguas estrangeiras e de inclusão digital. A literatura tem enfatizado a importância de investimentos na primeira infância, quando a capacidade de aprendizado é maior. A participação de imigrantes estrangeiros e de suas famílias em cursos de línguas avulsos ou ministrados em escolas e pré-escolas poderia aumentar a integração deles com a população nativa. A inclusão digital através de acesso a equipamentos de telefonia fixa, celular e de acesso à Internet adquire importância estratégica para colocar os pequenos negócios no mapa dos roteiros turísticos traçados. A formação de capital social (conselhos, cooperativas etc) deve preceder o planejamento turístico inclusivo, para que as escolhas de atividade da população nativa tenham incentivos corretos, sejam atraídas as melhores atividades e se crie mecanismos creditícios que alavanquem as atividades geradoras de maiores retornos sociais. A atividade turística não deve ser colocada como a única opção de financiamento, mas lado a lado com outros investimentos produtivos alternativos. Similarmente, o objetivo de redução da pobreza não deve ser visto de maneira estanque, distante da mensuração de benefícios gerados para outras faixas de renda. Uma possibilidade para manter a flexibilidade de escolha seria replicar procedimentos utilizados na Comunidade Econômica Européia (CCE), em que comunidades pobres escolhem o projeto que vai receber o financiamento, replicando, por sua vez, os mecanismos de escolha do mercado de crédito privado. No que tange ao objetivo concorrente de redução de pobreza, pode-se acoplar no financiamento mecanismos de crédito social onde a taxa de juros do financiamento seria pós-fixada e seria influenciada pelo desempenho social aferido ex-post; ou, no caso de financiamentos a fundo perdido, uma possível renovação de recursos seria condicionada à obtenção de resultados sociais. O destino turístico é a unidade de observação dos impactos sociais, e poderia seguir sistema de referências fornecido pelas metas do milênio. Esta vinculação seria natural, pois o surgimento do conceito de TS-AP é contemporâneo à difusão das metas do milênio.