Título: Estatais devem ocupar lugar de mineradoras em hidrelétricas
Autor: Leila Coimbra
Fonte: Valor Econômico, 16/08/2005, Empresas &, p. B8

Energia Aumento de custos com transmissão levaram Vale e BHP Billiton a desistir de projetos

Grandes consumidores de energia como a Companhia Vale do Rio Doce e BHP Billiton Metais ensaiam sua saída de projetos de usinas hidrelétricas, por causa dos aumentos de custos com a transmissão e outros encargos. Elas deverão dar lugar às estatais Furnas e Eletronorte, que ultimamente têm demonstrado apetite por usinas de geração elétrica já leiloadas. A Vale do Rio Doce quer vender sua participação de 40% na hidrelétrica de Foz do Chapecó, no Sul do país, onde é sócia da CPFL Energia (40%) e da estatal gaúcha CEEE (20%). A usina, um projeto de R$ 1,8 bilhão, será construída no rio Uruguai, na divisa dos Estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul, e terá capacidade de gerar 855 megawatts (MW). Os custos com a transmissão da energia da hidrelétrica, localizada no Sul, passaram a ser inviáveis para a Vale, que pretende consumir essa energia no Sudeste. Além disso, os encargos do setor elétrico como a Conta de Consumo de Combustíveis (CCC) e a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) também aumentaram significativamente nos últimos dois anos. A principal interessada na parte da Vale em Foz do Chapecó é Furnas, segundo fonte próxima às negociações. A estatal também negocia a aquisição da fatia do Grupo Rede nas hidrelétricas Guaporé e Lajeado, no Norte do país. Mas a belga Tractebel, que comprou a antiga Gerasul na privatização, também está interessada. Corre por fora, ainda, outra estatal, a Eletrosul, que atuava apenas no segmento de transmissão, mas cujo novo modelo do setor permitiu que investisse em geração. A Vale tem um orçamento de US$ 109 milhões para investir em energia elétrica neste ano, volume considerado baixo para a quantidade de projetos onde a mineradora tem sociedade: Aimorés; Capim Branco I, Capim Branco II, Funil, Porto Estrela e Candonga, todas em Minas Gerais, além de Igarapava, na divisa de São Paulo com Minas. Outro grande auto-produtor de energia, a mineradora BHP Billiton Metais, pretende se desfazer da fatia de 16,48% que detém na hidrelétrica de Estreito, um projeto de R$ 2,5 bilhões e com capacidade de produção de 1.087 MW, na divisa entre Maranhão e Tocantins. A estatal federal Eletronorte já iniciou as conversas com o consórcio responsável pela construção de Estreito. São sócias da Billiton na usina a Tractebel Energia e a Vale do Rio Doce, ambas majoritárias com 30%; Alcoa Alumínio, com 19,08%; e Camargo Corrêa Energia, com 4,44%. A Billiton já contratou a administradora de recursos financeiros Rio Bravo para coordenar a operação, e o data-room do projeto deverá ser aberto em setembro. Segundo fonte que participa das negociações, a entrada da Eletronorte depende não só da formalização da retirada da fabricante da alumínio, mas também de os outros sócios não incorporarem a participação. Isto porque um acordo de acionistas dá preferência de aquisição para as outras consorciadas. A Tractebel, segundo outra fonte, tem o interesse em entrar em Foz do Chapecó, mas não quer aumentar sua participação em Estreito. A disposição da Eletronorte de entrar em Estreito já foi anunciada formalmente pela estatal ao Ministério de Minas e Energia. A reunião foi no começo do mês, entre o ministro de Minas e Energia, Silas Rondeau, e o diretor Financeiro da Eletronorte, Astrogildo Quental, além de outros participantes. Para a Eletronorte, a principal vantagem ao participar de Estreito seria contar com um volume de energia a ser comercializado a partir de 2008, já que toda a energia da estatal já está vendida junto a clientes como as fabricantes de alumínio Albrás e Alumar. A previsão é que Estreito comece a gerar entre 2010 e 2011. Os grandes consumidores foram as maiores investidores em hidrelétricas nos leilões que ocorreram entre 2000 e 2002, e chegaram a pagar 3.000% de ágio nos projetos. Mas, agora, o cenário mudou. Levantamento feito pela Associação Brasileira dos Auto-Produtores de Energia (Abiape) mostra que nos últimos dois anos, as tarifas de uso da infra-estrutura elétrica (tarifa fio), mais alguns encargos do setor elétrico como a Conta de Consumo de Combustíveis (CCC) e a Conta de Desenvolvimento energético (CDE) aumentaram em sete vezes. Simulação feita pela Abiape com um associado na área de concessão da Light mostra que em 2002, esses custos representavam R$ 7,27 por megawatt hora (MWh) e agora passaram para R$ 69 por MWh. E, ao contrário das elétricas, que possuem a prerrogativa de passar o aumento dos custos para a tarifa, essas empresas exportadoras de commodities como alumínio e minério de ferro ficam com pouca competitividade. "Quando esses projetos foram leiloados, eram rentáveis. Agora, se tornaram não-rentáveis por conta de problemas regulatórios", afirma Mario Menel, presidente da Abiape. A entidade já entrou com uma ação na Justiça contra a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e quer uma liminar que impeça a cobrança da CDE e da CCC para os auto-produtores.