Título: Mercado põe crise de lado e reage a índices
Autor: Luiz Sérgio Guimarães
Fonte: Valor Econômico, 16/08/2005, Finanças, p. C2

O mercado financeiro aproveita todas as chances que tem para relegar a crise política ao esquecimento. Logo nas primeira horas da manhã de ontem, as operações já exibiam indiferença com os rumos da crise. Optou-se por dirigir a atenção exclusivamente à área econômica. E, ao longo do dia, essa escolha se revelou a mais sensata, não só porque os novos indicadores se mostraram excelentes, mas também porque, de todos os lados, de políticos, banqueiros e empresários surgiam avaliações uníssonas de que ainda não é o caso de se autorizar a abertura de um processo de impeachment contra Lula. Em nenhum momento do dia os mercados emitiram algum sinal, por menor que fosse, indicativo de que desde o início de junho o país está imerso em uma crise política que só se agrava. Na economia dos grandes números macro não há crise. A deflação está se aprofundando e o câmbio se apreciando sem que a produção industrial sofra e sem prejuízo às exportações. O superávit registrado pela balança comercial na segunda semana do mês manteve-se elevado (US$ 840 milhões) apesar de o dólar ter caído na quinta-feira abaixo de R$ 2,30. O IGP-10 de agosto apurou uma intensificação da queda dos preços. O mais otimista dos bancos esperava deflação de 0,45%. Foi de 0,52%, a terceira em seguida após a estabilidade verificada em maio. Na mesma área inflacionária mais duas ótimas notícias. As cem instituições pesquisadas pelo Banco Central para a elaboração do Boletim Focus diminuíram, pela 13ª semana consecutiva, a previsão de IPCA para o acumulado do ano. O prognóstico caiu agora de 5,50% para 5,40%, e logo baterá nos 5,1% estabelecidos pelo BC como meta de inflação para o ano. E, depois de 64 semanas estável em 5%, a expectativa para a inflação de 2006 começou a cair. Recuou para 4,98%.

Câmbio pode testar hoje suposto piso de R$ 2,30

Para o mercado, não resta dúvida de que a resposta do BC às boas novas inflacionárias será a manutenção da Selic em 19,75%, o maior juro nominal do mundo. O Copom irá manter o juro por causa da crise política, a mesma crise que só assustou o mercado com seriedade nos dois últimos dias da semana passada. A certeza do mercado foi manifestada tanto no Focus quanto no pregão de juros futuros da BM&F. Todos os vencimentos recuaram, os distantes com mais força, indicando uma inclinação mais negativa da curva. Nem por isso os contratos refletiram perspectiva de recuo da Selic já amanhã. Pelo DI futuro, assim como pelo Focus, o ciclo de baixa irá começar apenas em setembro, com corte de 0,50 ponto. O contrato para a virada de setembro recuou 0,04 ponto, para 19,51%, enquanto o mais negociado, para janeiro de 2007, tombou 0,17 ponto, para 17,81%. O dólar comercial, sem muito fluxo positivo, começou a devolver ontem as altas da semana passada. Além da trégua política, ajudou na reversão da tendência a baixa de 0,88% sofrida pelo petróleo em Nova York, cotado a US$ 66,27, e a queda de quatro pontos do risco-país, para 397 pontos-base. O dólar fechou a R$ 2,3310, baixa de 1,81%. Hoje as instituições irão testar o suposto piso de R$ 2,30, cuja defesa teria desencadeado, na quinta-feira passada, o leilão frustrado de compra de dólares pelo BC. Uma corrente importante de executivos entende que não há piso algum para o dólar, o que o BC fez na quinta foi uma incompreensível bagunça. A Bovespa, em dia de exercício de opções, subiu 1,57%, a 27.375 pontos. A manutenção do bom humor do mercado dependerá do teor do depoimento do doleiro Antônio Oliveira Claramunt, o Toninho da Barcelona, à subcomissão da CPI dos Correios.