Título: Dantas perde novo recurso no tribunal de Nova York
Autor: Raquel Balarin
Fonte: Valor Econômico, 17/08/2005, Brasil, p. A4

O Opportunity voltou à carga sem sucesso na semana passada, no tribunal federal de Manhattan, para tentar conseguir do juiz durão Lewis Kaplan autorização para o grupo concluir a venda de sua participação na Brasil Telecom (BrT) para a Telecom Itália. A operação colocará no bolso do grupo de Daniel Dantas 460 milhões de euros. Em liminar, o juiz suspendeu, desde o início de junho, a venda das ações porque a operação poderia afetar os interesses do Citibank, que recorreu à Corte para afastar Dantas da gestão de seus recursos. Na decisão, o juiz Kaplan diz estar convencido de que o recurso "foi feito de má fé" e que não pode modificar a liminar porque os "réus continuam a resistir à remoção de seus aliados e nomeados de posições de controle na BrT. Enquanto os réus continuarem agarrados aos frutos das relações fiduciárias que ocuparam em relação ao proponente da ação, seria inapropriado permitir que entrem em acordo que não seja estritamente o dia-a-dia dos negócios". O Citibank é um dos principais protagonistas dessa novela repleta de traições, espionagem e vinganças. Em 1997, trouxe recursos para formar o CVC Opportunity internacional, que, na privatização, tornou-se um dos dois principais acionistas da BrT - o outro era o CVC nacional, com recursos dos fundos de pensão e também administrado pelo Opportunity. Os italianos eram o terceiro sócio. O CVC internacional foi administrado com plenos poderes por Daniel Dantas, o inseparável parceiro até poucos meses atrás e o inimigo nas cortes americanas desde o rompimento, em março, quando o Citi anunciou que estava trocando de lado na disputa societária sobre o comando da BrT e destituindo Dantas como gestor do CVC - os fundos de pensão já haviam feito o mesmo. Mais: o Citi anunciou que fechara uma opção de venda de suas ações para os fundos, inimigos do Opportunity. Se não conseguirem vender em conjunto suas participações na BrT e na Telemar até o fim de 2007, os fundos se comprometem a comprar a parte do Citi, independentemente de restrições legais. Dantas deu o troco menos de dois meses depois, bandeando-se para o lado dos italianos, até então aliados dos fundos de pensão contra o Opportunity e o Citi. A história parece simples, nesse resumo grosseiro, mas é intrincada, com as mais díspares versões, dependendo do lado de quem conta os fatos. Na semana passada, quando Dantas voltou à Corte americana, justificou o pedido de suspensão da liminar com a apresentação da suspeita de que a operação do Citi com os fundos só foi fechada porque haveria um acordo secreto pelo qual a BrT seria vendida à Telemar, empresa que tem entre seus principais acionistas os fundos de pensão e o BNDES. A operação não é permitida pela Lei Geral de Telecomunicações, que impede a fusão entre operadoras de telefonia fixa. Dantas exibiu ao juiz a publicação de notícias no Brasil sobre supostos contatos da Telemar com a Telecom Itália e Citi para comprar a BrT. "O real motivo (do Citi) para se opor ao acordo entre a Telecom Itália e o Opportunity é aumentar o seu poder de barganha e o dos fundos de pensão para a venda de suas participações acionárias à Telecom Itália. Se a Telecom Itália assinar um acordo para a compra das ações do Opportunity, só precisaria comprar ou a participação dos fundos de pensão ou a do Citibank, mas não ambas. Mas se a venda de ações do Opportunity for frustrada, a Telecom Itália provavelmente terá que comprar as outras duas participações para tomar o controle", diz o texto dos advogados do Opportunity. Em sua decisão, o juiz Kaplan diz que o "tribunal não acredita que o negócio entre as partes seja diferente do que foi assinado. O recurso está baseado numa inverdade patente. Em segundo lugar, os réus, acredita o tribunal, sabem que a liminar não permite a venda - coisa que eles fingem não saber com uma inocência fingida e não convincente da criança pega com a mão dentro da vasilha de biscoitos, que afirma : Mas eu não estava comendo os biscoitos". Os advogados do Opportunity dizem que a compra pela Telemar exigiria mudança nas leis brasileiras, mas a prova de que essa negociação estava em curso estaria no contrato de opção de compra das ações do Citi pelos fundos, que tem cláusula na qual os fundos se obrigam a cumprir a opção de compra das ações "mesmo que ela possa levar a descumprimento de regulamentação da Secretaria de Previdência Complementar (SPC) ou Anatel". Nesse caso, os fundos terão a responsabilidade de adequar suas carteiras à regulamentação, vendendo a participação acionária a terceiros ou conseguindo a anuência das autoridades. Fontes próximas ao Opportunity afirmam que o grupo está convencido de que haveria interesse de representantes do governo brasileiro na compra da BrT pela Telemar. Tratar-se-ia, assim, de um flagrante caso de tráfico de influência envolvendo o fundo de pensão Previ (dos funcionários do Banco do Brasil), cujo presidente, Sergio Rosa, teria sido indicado pelo ex-ministro Luiz Gushiken. As mesmas fontes cuidaram, nas últimas semanas, de passar à imprensa a versão de que os fundos só haviam se comprometido a pagar ao Citi R$ 1,05 bilhão e R$ 305 milhões pelas participações do CVC internacional na BrT e na Telemar, respectivamente, porque havia esse outro acordo para a Telemar comprar a BrT. Como todas as versões, esta também usa vários elementos de eventos que já se tornaram públicos, o que ajuda a dar verossimilhança à versão. Assim, tudo estaria pronto no governo para que o presidente Lula assinasse um decreto que permitiria a fusão entre operadoras de telefonia fixa quando as denúncias de corrupção no PT vieram à tona. A compra pela Telemar, por R$ 2,5 milhões, de uma participação de 35% na Gamecorp (e outros R$ 2,5 milhões para ter exclusividade sobre o conteúdo produzido pela empresa), teria inviabilizado o decreto presidencial. A Gamecorp tem entre seus sócios um filho do presidente Lula e o decreto poderia despertar suspeitas de que se tratava de um toma-lá-dá-cá, no qual a Telemar retribuía ao presidente a gentileza do ato. A suspeita poderia ser levantada ainda que a operação Gamecorp fosse legítima - vale ressaltar que a BrT chegou a disputar a compra da participação na empresa, dado o interesse despertado pelos contratos de licenciamento de jogos para celular que ela tem na carteira. Poder-se-ia dizer ainda que, fosse o caso de uma compra de favores, o preço seria muito baixo para o tamanho do benefício. A tese do Opportunity foi prontamente rechaçada por seus sócios. De acordo com Sergio Rosa, presidente da Previ, os fundos estavam em situação extremamente complicada em meio à disputa societária com o Opportunity e a garantia de compra da parte do Citi foi necessária para viabilizar o acordo com o banco americano. Tanto o Opportunity quanto a Telecom Itália já vinham tentando negociar com o Citi a compra da participação na BrT. O primeiro chegou a oferecer, em fevereiro, uma proposta formal de US$ 395 milhões mais uma participação em uma venda futura, caso o valor obtido fosse maior. Os italianos, em conversas, falavam em algo em torno de US$ 450 milhões. Utilizando esses valores como balizadores, o Citi fechou com os fundos por US$ 385 milhões. Representantes do Citi negam que houvesse negociação com a Telemar para venda posterior do controle da Brasil Telecom, embora o Valor tenha apurado que não só a operadora brasileira, como também os espanhóis da Telefonica e os mexicanos da Telmex (Claro) tenham indicado ao banco americano o interesse na sua participação caso seja alterada a Lei Geral de Telecomunicações. "Todos vão dizer que têm interesse porque o ganho de sinergia é absurdo. E a BrT é um ativo muito bom, especialmente se superada a disputa com o Opportunity", informa fonte próxima ao Citi. Quem também nega a versão do Opportunity é Carlos Jereissati, sócio da Telemar e um dos principais inimigos de Dantas desde a privatização. Jereissati argumenta que uma negociação feita pela Telemar para um decreto presidencial seria um tiro no próprio peito. No momento em que a compra de uma operadora por outra fosse possível, a BrT poderia ser comprada pela Telefónica de Espanha, que tem muito mais poder de bala. Se Daniel conseguir finalizar a venda de sua participação aos italianos e o Citi ou vender suas ações conjuntamente com os fundos ou para os próprios fundos, em 2007, os dois serão os principais ganhadores nesse enrolado processo. Por isso, versão por versão, há uma terceira que começa a circular. A de que o recente afastamento entre o banco americano e o empresário, no fundo, não seria para valer. Apenas teria valorizado a participação de ambos e viabilizado a venda das ações. (RB)