Título: Previ refuta suspeita de tráfico de influência
Autor: Cristiano Romero
Fonte: Valor Econômico, 17/08/2005, Brasil, p. A5

Entrevista Presidente da Previ diz jamais tratou de disputas empresariais com Luiz Gushiken ou José Dirceu

A Previ, a fundação de previdência dos funcionários do Banco do Brasil e maior fundo de pensão do país, investiu, no ano passado, R$ 60 milhões nos bancos BMG e Rural, instituições que deram empréstimos ao PT e são apontadas, pela CPI dos Correios, como suspeitas de participação no valerioduto. As aplicações, no total de R$ 30 milhões em CDBs de cada um dos bancos, estão sendo investigadas pela CPI, que desconfia de tráfico de influência nos investimentos dos fundos de pensão das estatais. No entanto, os investimentos foram resgatados depois da quebra, em novembro, do Banco Santos, e muito antes, portanto, do início das denúncias e investigações da CPI dos Correios. O último resgate, de papéis adquiridos junto ao BMG, foi feito no dia 21 de fevereiro deste ano, por conta da mudança de liquidez do mercado financeiro para bancos de menor porte. As desconfianças de tráfico de influência cresceram depois que Jorge Moura, ex-presidente da Refer, o fundo das empresas Rede Ferroviária Federal, CBTU, Metrofor e Companhia Paulista de Trens Urbanos, declarou à imprensa que foi procurado por representantes do BMG e do Rural, supostamente indicados por Marcelo Sereno, ex-dirigente do PT que assessorou José Dirceu na Casa Civil. Em entrevista ao Valor, o presidente da Previ, Sérgio Rosa, diz que teve vários encontros com Sereno, mas nega que ele tenha influenciado as decisões do fundo. Segundo ele, a Previ investiu em papéis de bancos pequenos e médios, como o Rural e o BMG, porque, nessas instituições, as taxas de retorno são maiores do que nas grandes. Indagado sobre a suspeita de que o empresário Marcos Valério teria sido contratado para fazer lobby em prol do grupo Opportunity no governo, Rosa garante que conheceu Valério pela imprensa e que jamais tratou das disputas empresariais da Previ com os ex-ministros Luiz Gushiken, de quem é amigo, e José Dirceu. Sobre o polêmico contrato assinado pela Previ com o Citigroup, em que se comprometeu a comprar as ações do banco americano na Brasil Telecom (BrT) por preço quase quatro vezes superior ao de mercado, Rosa afirma que o negócio é vantajoso porque garantirá a presença da Previ no bloco de controle. Segundo ele, o Opportunity vendeu ações à Telecom Italia por um valor próximo ao da negociação com o Citigroup. Rosa confirmou que a Globalprev, empresa de consultoria previdenciária fundada por Gushiken, prestou serviços à Previ já no governo Lula, mas ele defendeu o negócio, alegando que, quando entrou para o governo, o ex-ministro se desfez da sociedade. Valor: Por que seria complicado quebrar o sigilo bancário dos fundos de pensão? Sérgio Rosa: Ficamos imaginando o que é quebrar o sigilo bancário de uma instituição como a Previ, com R$ 70 bilhões de patrimônio, R$ 32 bilhões de aplicações no mercado de renda fixa, R$ 43 bilhões no de renda variável. A quebra de sigilo de qualquer pessoa física ou jurídica tem que ter um motivo muito forte. O princípio constitucional é o da proteção das informações. Até o momento, não surgiu nenhuma evidência que leve a uma medida tão drástica como essa. Todos os pedidos objetivos de informações foram respondidos prontamente. O deputado Rodrigo Maia (PFL-RJ), pela Comissão de Fiscalização e Controle, solicitou informações sobre nossas compras de títulos públicos indexados pelo IPCA e o IGP-M. Em sete dias, entregamos as informações. Valor: As informações pedidas pela CPI são protegidas por sigilo? Sérgio Rosa: As informações que julgamos que não têm caráter de confidencialidade ou risco de mercado não estão sob sigilo. Um fundo de pensão, como uma instituição financeira, tem negócios em curso, contratos, documentos, cujo sigilo é relevante. Valor: A Previ tem aplicações no BMG e no Rural? Sérgio Rosa: Não. Tivemos no passado aplicações por prazo curto, liquidadas dentro de condições normais. A política de aplicações, aprovada pela diretoria, diz quais são as instituições com as quais estamos autorizados a operar e os limites de aplicação em cada uma. Isso é baseado na avaliação de risco das instituições e vai para a mesa de operações. A partir daí, dentro daqueles limites, o operador avalia. É óbvio que, se você for operar com as instituições de nível A, a taxa de retorno será menor. Se operar com as de risco médio de crédito, o retorno é maior. Valor: É o caso dos dois bancos? Sérgio Rosa: Não sei qual é a nossa última classificação. Na nossa política mais recente, eles não estão previstos dentro do grupo de instituições permitidas. Valor: Por quê? Sérgio Rosa: Porque, desde a intervenção no Santos, instituição com a qual a Previ não detinha investimento, não mais foram realizadas cotações e tampouco efetivadas operações com bancos pequenos e médios. Valor: Um funcionário do Rural, segundo integrantes da CPI, denunciou que teria havido concentração de aplicações dos fundos com algumas corretoras. Sérgio Rosa: Em renda fixa, operamos só com a BB DTVM. Em variável, eventualmente distribuímos um pouco para outras corretoras de grandes bancos. As comissões que elas recebem são miseráveis. Não dão para pagar nem cafezão, imagine, um mensalão... Valor: Suspeita-se na CPI que os fundos forjaram prejuízos em operações com títulos públicos, beneficiando corretoras que alimentavam o valerioduto. Sérgio Rosa: Seria muito fácil descobrir se houve isso porque há parâmetros diários de mercado. Você pega as datas e os valores médios de transação daquele título, ou de títulos semelhantes naquele dia, e compara para ver se comprou mal ou bem. Se a corretora comprou mal e depois repassou isso por um preço e ficou com o lucro, é fácil identificar. Valor: O empresário Marcos Valério ou algum emissário dele o procurou em algum momento? Sérgio Rosa: Não. Nunca. Só passei a conhecê-lo pela imprensa. Valor: Marcelo Sereno, ex-assessor da Casa Civil, ou alguém enviado por ele o procurou para fazer negócios com o BMG e o Rural? Sérgio Rosa: Conheço o Sereno, tive encontros com ele recentemente, mas ele nunca teve influência nos negócios da Previ. Sou diretor da Previ há cinco anos. Já recebi aqui Deus e o mundo. Parlamentares, empresários. É absolutamente normal, dentro da política de relacionamento, você ter uma agenda muito diversificada. Poderia até ter conhecido qualquer dessas pessoas aí por acaso. Valor: Uma das críticas feitas ao acordo da Previ com o Citigroup é que a remuneração do investimento do fundo na Brasil Telecom (BrT) é maior do que a obtida na Telemar. Sérgio Rosa: Essa comparação não tem o menor sentido. Na BrT, o grande problema que sempre tivemos foi a estrutura societária montada pelo Opportunity. Ela nos coloca em posições sem nenhuma liquidez. A Previ não tem ações diretas da BrT, a não ser aquelas que comprou no mercado. Temos, na verdade, cotas de um fundo de investimento "private equity", que, por sua vez, é acionista de uma empresa holding chamada Opportunity Zain (hoje, Zain Participações), que está no topo de uma cadeia societária que tem mais cinco empresas holdings antes de chegar na Brasil Telecom. Se alguém me entregar aquilo que eu comprei, vai me entregar ações do Opportunity Zain. Então, não ganho absolutamente em lugar nenhum. Essa estrutura, montada na época da privatização das teles, foi criada para aquisição do controle da empresa. No modelo de privatização, o governo anterior selecionou um bloco de ações que representava a maioria das ações ordinárias, concentrou ali o chamado controle da empresa e colocou aquilo à venda, inclusive, fixando um preço mínimo. O preço mínimo da Tele Centro-Sul (BrT, hoje) era 4,9 vezes maior do que o valor das ações em bolsa naquele momento. Isso não aconteceu só na BrT. Hoje, todo mundo que está dentro do bloco de controle da BrT e lá atrás pagou com base nesse tipo de avaliação, obviamente, só vai aceitar vender nessas condições. Pode até não conseguir, mas a lógica é essa. A própria transação anunciada entre Telecom Italia e Opportunity leva isso em conta. O que o Opportunity tem de ações e que teria vendido para a Telecom Italia são ações minoritárias. Vendeu por um valor próximo ao que negociamos com o Citibank, sendo que as ações do Citi conferem o controle da empresa. Valor: Foi essa estrutura societária que a Previ denunciou na véspera da privatização (em julho de 1998)? Sérgio Rosa: Não. No primeiro momento da privatização, houve aquele grampo no BNDES que mostrou que havia um nível de pressão política para que os fundos de pensão ingressassem no consórcio do Opportunity (que comprou a BrT). Esta é a polêmica de origem. Mas, nós nunca questionamos os contratos assinados. Valor: O que foi, então, questionado? Sérgio Rosa: O cumprimento do que foi prometido na época. Valor: E o que foi prometido? Sérgio Rosa: A lógica é que eu era sócio de um fundo, com um operador estratégico, e juntos compramos o controle da empresa e que eu precisava ter as garantias de direitos iguais entre todas essas pessoas jurídicas. Ao longo do tempo, esses direitos não foram entregues à Previ. Quando cobrávamos do Opportunity a garantia de que teríamos o "tag along" [dispositivo que assegura aos detentores de ações ordinárias o direito de receber 80% do valor pago pelas ações do grupo de controle] na venda de participação de qualquer outro sócio, isso nunca foi entregue. Nessa estrutura, onde entre os sócios atuais ou alguém de fora poderia vir a comprar a participação de um ou dois sócios e deixar o terceiro na mão, nós íamos virar minoritários de uma empresa holding que não tem ações listadas em bolsa, que não tem valor de venda, que não teria poder político na gestão da empresa e que, portanto, teria valor igual a zero. Fora isso, foram identificados outros abusos na gestão do fundo e da empresa.

A quebra de sigilo de qualquer pessoa física ou jurídica tem que ter um motivo muito forte"

Valor: Quais? Sérgio Rosa: Um abuso que em valor, talvez, não seja o mais significativo, mas é simbólico, foi a formação de um consórcio de aviões, onde todo o custo de aquisição das aeronaves e de manutenção é pago pelas empresas e quem opera esse consórcio é o banco Opportunity. Foram compradas três aeronaves, das quais, dois jatos moderníssimos, com autonomia de vôo para viajar daqui aos Estados Unidos sem escala. Não há justificativa para esse tipo de despesa. O pior é que não há prestação de contas do uso desses aviões. Valor: Quem conduziu a Previ para essa estrutura societária? Sérgio Rosa: Quem estava aqui na Previ quando essa estrutura foi feita era o Jair Bilachi. Apesar dos problemas, nunca entramos na Justiça para quebrar aqueles contratos. O que fizemos foi entrar na Justiça para destituir o Opportunity da gestão do fundo. O passo seguinte foi, já com um gestor novo, contratar os nossos direitos com os demais sócios da empresa, fazer uma aproximação com o Citibank, que era o segundo maior investidor da cadeia societária. Valor: Por que o Citi decidiu somente seis anos depois romper com o Opportunity? Sérgio Rosa: A legislação americana é muito rígida nesse aspecto. Um investidor num tipo de fundo desse (que controla a BrT) realmente não tem interferência na gestão das empresas que o fundo adquire. O Citi sempre disse à Previ que não tinha motivos para tomar medidas contra o gestor. Quando destituímos o Opportunity, isso mudou. Valor: Por quê? Sérgio Rosa: Como o gestor que também geria o fundo deles foi demitido, o Citi iniciou um processo de avaliação independente do que o gestor estava fazendo em nome deles. Isso levou tempo. Eles contrataram escritórios de advocacia e auditoria e começaram a questionar mais diretamente o Opportunity e acabaram chegando a uma conclusão semelhante à nossa. Valor: A Previ procurou o Citi ou foi o contrário? Sérgio Rosa: O interesse de procurar o Citi foi nosso. Valor: Houve interferência do governo Lula na mudança de posição do Citi? Sérgio Rosa: Não. Pelo contrário. Demoramos para nos aproximar do Citi. Foi um processo entre agentes privados. Valor: O acordo com o Citi foi debatido com o ministro Palocci e o ex-ministro Luiz Gushiken? Sérgio Rosa: Tratei disso com o Palocci de maneira muito genérica, informando-o de que estávamos mantendo entendimentos com o Citibank. Com o Gushiken, o assunto não foi tratado. Valor: O ministro José Dirceu fez alguma gestão pró-Opportunity? Sérgio Rosa: Não. Nenhuma. Valor: Qual é a participação do ex-ministro Luiz Gushiken na gestão da Previ? Sérgio Rosa: São mais do que conhecidas as relações pessoais que tenho com o Gushiken. Ele foi presidente do Sindicato dos Bancários de São Paulo e eu fui da mesma diretoria dele. Quanto a isso, não há nada a esconder. É bastante conhecido também que, como deputado, Gushiken foi uma pessoa atuante na área de fundos de pensão. Isso alimenta a versão de que ele teve ascendência sobre os fundos, mas não há nenhum fato. Quando deixou de ser deputado, ele decidiu ganhar a vida com uma empresa que tratava do assunto (a Globalprev). Ao vir para o governo, desfez a sociedade. Valor: A Globalprev prestou serviços à Previ? Sérgio Rosa: Sim. Entre 2003 e 2004. Fizemos recrutamento de novos funcionários da Previ, com formação em temas de previdência complementar. A Globalprev deu nove cursos a um custo total de R$ 44 mil. Valor: Henrique Pizzolato, ex-presidente da conselho deliberativo da Previ, disse que Gushiken interferia na gestão da Previ. Sérgio Rosa: Não é verdade. Valor: Ele disse também que o acordo com o Citi não passou pelo conselho. Isso é verdade? Sérgio Rosa: É verdade. Valor: E por que não passou? Sérgio Rosa: O estatuto da Previ diz que quem tem competência para implementar o programa de investimentos do fundo é a diretoria. Dentro de determinados limites, a diretoria toma a decisão, que foi levada ao conselho como informação. Tudo foi registrado em ata, inclusive que o conselho se dava por satisfeito com a apresentação feita. Valor: Há uma obsessão da Previ em derrotar o empresário Daniel Dantas? Sérgio Rosa: Não há. Existem analistas na imprensa que consideram esse caso a maior disputa societária que já houve no Brasil. Um dos executivos do Citibank com quem tivemos contato acha que essa é a questão societária mais complexa que ele já enfrentou no mundo. É uma novela. O advogado Sérgio Spinelli, que representa o Citi, acredita que nunca houve nem haverá um caso com tantas ações judiciais. É mais de uma centena. Valor: A Previ briga com unhas e dentes para participar do controle das empresas. Isso não contraria a legislação brasileira? Sérgio Rosa: A lei não proíbe que os fundos de pensão sejam controladores de empresas. Ela limita a nossa participação a 20% do capital total das empresas e a 20% de qualquer classe de ações. Em associação com outros sócios, posso fazer acordos de acionistas e, assim, integrar o grupo de controle. Dentro de uma estratégia clássica de investimentos, fazer acordos de acionistas que protejam nossos interesses, que assegurem o "tag along", o direito a veto, é importante. Por que abriríamos mão disso? Valor: Não há uma zona cinzenta, na medida em que, para fazer parte do grupo de controle, a Previ tem que escolher entre grupos privados? Como ter certeza de que as decisões são técnicas e não políticas? Sérgio Rosa: Isso não diz respeito apenas à compra de empresas, mas também à compra de ações ou debêntures. Qualquer negociação que a gente faça, em tese, pode estar viciada. A maneira de evitar isso é aumentando o grau de controle, de governança corporativa dos fundos. Hoje, por exemplo, temos que publicar todos os votos da Previ nas assembléias de acionistas das empresas de que ela participa. Estamos sujeitos a todas as regras da CVM e à fiscalização interna, da SPC etc. Os estudos técnicos que justificam uma aquisição têm que estar disponíveis para auditoria. Se fizermos uma escolha errada, isto será detectado.