Título: Sarney faz defesa de Lula e prega o fim da reeleição a partir de 2010
Autor: Maria Lúcia Delgado
Fonte: Valor Econômico, 17/08/2005, Política, p. A6

Com a autoridade de ex-presidente da República, o senador José Sarney (PMDB-AP) ocupou ontem a tribuna para propor "reflexões" sobre a crise e defender mudanças radicais no sistema político brasileiro - como o fim da reeleição a partir de 2010, e a adoção do semi-presidencialismo, financiamento público e listas fechadas já em 2006. Foi, porém, duramente criticado por tucanos e pefelistas após afirmar que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva "representa uma das realizações maiores da democracia brasileira" e não adotou nenhum tipo de conduta que possa colocar seu mandato sob ameaça. "Não há na conduta do presidente Lula nada que nem de leve possa atingir o seu mandato. Nenhum crime de responsabilidade", disse. Havia uma outra frase no discurso preparado, que Sarney preferiu não ler: "Lula está pagando pelos erros do PT". Causou incômodo à oposição o fato de o ex-presidente ter exaltado a importância das esquerdas e do PT no Brasil. "Não se pode pensar através de uma crise que se possa banir a esquerda, ou afastá-la, da vida política brasileira. Nem estender ao PT, como organização política, os erros e omissões de alguns de seus dirigentes", enfatizou Sarney. Sustentou ainda que as "esquerdas estão incorporadas às sociedades democráticas e sem elas é impossível que uma sociedade moderna possa viver com tranqüilidade". E considerou prova de maturidade a recusa das oposições de defenderem a tese do impeachment. Ao fazer uma referência à consolidação do sindicalismo moderno no país, Sarney afirmou que foi ainda em seu governo "que um operário saiu do chão da fábrica para disputar a presidência da República". "Lula não se apresentou ao povo brasileiro numa aventura pessoal, sem passado, sem um projeto de futuro", salientou. Para ele, esse é um dos mais graves momentos da história do país, mas não se trata de uma crise institucional. "É uma crise de homens, não de estruturas", pontuou. Reconheceu, contudo, que o Congresso virou cinzas com a crise. Numa espécie de aconselhamento a Lula, disse que homens públicos precisam fugir de desencantos e não podem transigir com os erros. Falou que os parlamentares envolvidos em caixa 2 e outros escândalos precisam ser banidos da vida pública. O trabalho das CPIs precisa ser "implacável", acrescentou. Dirigindo-se ao senador Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA), com quem convive há mais de 50 anos, Sarney disse que "a existência da compra de votos dentro do Congresso existiu, em qualquer momento". Certo de que o atual sistema eleitoral "chegou ao fim", sugeriu que os presidentes da República, após um único mandato, integrem o Conselho da República, perdendo o direito de disputar qualquer cargo eletivo em seguida. As críticas não tardaram. O senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) subiu à tribuna após o ex-presidente e revelou suas discordâncias. "A sorte do Brasil de hoje não é ter um presidente como o Lula, mas ter uma oposição democrática como a nossa", disse. O PT difundiu a corrupção a um nível jamais visto na história, avaliou. "Não coloco no nível da má-fé o presidente da República, mas ele teve sim conhecimento do mal feito", disse Tasso. Os comentários mais ácidos vieram de ACM. Segundo ele, as opiniões emitidas por Sarney sob reserva não coincidem com as declarações proferidas em discurso. "Nós sabemos que ele não pensa assim. Falhou com o Brasil hoje dizendo inverdades a respeito do governo Lula, fazendo crer que é um governo sério, fazendo crer que Lula não tem responsabilidade, quando é o principal responsável", disparou. A esquerda e o PT, lembrou ACM, quiseram encurtar o mandato de Sarney. O líder do PSDB, Arthur Virgílio (AM), disse que esperava um pouco de luz no discurso de Sarney, mas parece apenas ter dado uma satisfação ao Palácio do Planalto.