Título: Ausência de testemunhas leva PT a adiar decisão sobre Delúbio
Autor: Cristiane Agostine e Ricardo Balthazar
Fonte: Valor Econômico, 17/08/2005, Política, p. A14

O ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares ganhou sobrevida no partido, com a ausência de cinco de suas oito testemunhas de defesa no depoimento que prestou ontem à Comissão de Ética, na sede nacional do PT, em São Paulo. A permanência de Delúbio vai depender do braço-de-ferro entre o Campo Majoritário e outras tendências do PT. Além do ex-tesoureiro e de três de cinco membros da comissão, pertencem ao Campo Majoritário o deputado José Dirceu, ex-ministro chefe da Casa Civil, e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A decisão da Comissão de Ética foi protelada para o dia 31, depois de uma reunião no próximo domingo, dia 21, com as testemunhas que faltaram, e de um novo encontro do Diretório Nacional, marcado para o dia 27. Pelo estatuto do partido, Delúbio tem direito a oito testemunhas e a comissão pode chamar mais pessoas para prestarem depoimento, conforme julgue necessário. Por essa razão, foram convocados para prestar esclarecimentos o atual secretário de finanças, José Pimentel, e o secretário-geral, Ricardo Berzoini. A demora favorece Delúbio, que pode ganhar respaldo com a escolha de novo dirigente do partido, em setembro. O Processo de Eleição Direta (PED), para a escolha do novo presidente nacional, será no dia 18. Nas quatro horas do depoimento de ontem, Delúbio alegou que os empréstimos contraídos eram para pagar fornecedores e que nunca houve nenhuma relação entre esses empréstimos e dinheiro público. Manteve, dessa forma, a linha de defesa de uma carta divulgada no fim do mês passado ao partido, quando pediu o afastamento do PT. Delúbio também tenta ganhar tempo para sua defesa na CPI do Mensalão. Ontem o petista foi intimado para prestar depoimento hoje no Senado. A intimação foi feita por dois agentes da Polícia Federal. Depois de entregarem a intimação aos advogados de Delúbio, evitaram falar com os repórteres. A entrega da intimação era desconhecida pela PF de Brasília. Mesmo depois de receber o documento dos dois agentes, Delúbio conseguiu adiar sua presença na CPI para amanhã. O petista terá mais um dia para tentar um habeas-corpus para que possa depor na condição de investigado. No depoimento, o ex-tesoureiro deverá desapontar mais uma vez os parlamentares que esperam arrancar dele revelações sobre o esquema que montou com o empresário Marcos Valério Fernandes de Souza para financiar o PT e seus aliados. Segundo dois amigos que têm mantido contato freqüente com o ex-tesoureiro, Delúbio insistirá que o dinheiro foi usado apenas para pagar dívidas de campanha e dirá que não teve nenhuma participação no envio ao exterior dos recursos repassados pelo esquema ao publicitário Duda Mendonça, que foi responsável pela campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2002. De todos os personagens do escândalo do mensalão, Delúbio é o que tem demonstrado maior capacidade de resistir às pressões exercidas pelos políticos e pelas autoridades envolvidas nas investigações. Ele permaneceu horas impassível diante dos integrantes da CPI dos Correios em seu primeiro depoimento e recusou-se a responder várias perguntas. "Ele tem a casca grossa e vai continuar assim até o fim", diz um dos seus amigos. Isolado no PT, onde enfrenta um processo que provavelmente levará à sua expulsão do partido, Delúbio tem passado os dias trancado em seu apartamento em São Paulo. No fim de semana, viajou para visitar a família em Goiás. Segundo os amigos, Delúbio tem medo de ser hostilizado se for reconhecido na rua. Um deles visitou-o recentemente e achou-o emagrecido. Encontrou o apartamento em desordem, com jornais e revistas espalhados pelo chão. Ontem, saiu da sede do PT quase como um foragido, dentro de um carro preto, com vidros cobertos por película escura, cantando pneus. Delúbio sabe muito mais do que tem revelado. Seguindo a orientação do seu advogado, Arnaldo Malheiros Filho, ele tem procurado falar o mínimo necessário e não está disposto a dizer nada que os parlamentares da CPI já não saibam. Fiel à liderança que o deputado José Dirceu ainda exerce no partido, Delúbio também não dirá nada que complique a situação do presidente Lula.