Título: "Governo Lula é medíocre, mas tende a ser reeleito", diz Chico de Oliveira
Autor: Cynthia Malta
Fonte: Valor Econômico, 28/10/2004, Política, p. A6

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva tende a ser reeleito em 2006, a não ser que o crescimento econômico seja ruim ou que ocorra alguma catástrofe internacional com impacto sobre o Brasil. "Mas o desempenho não será tão ruim. Vai ser medíocre, mediano. A reeleição do Lula é possível", disse ontem o sociólogo Francisco de Oliveira, que está participando do 28 Encontro da Associação Nacional dos Pós-Graduados em Ciências Sociais (Anpocs), que termina amanhã. Oliveira, fundador do PT, tem se mostrado um crítico ferrenho do partido e do governo Lula. Ontem, avaliava que a taxa de crescimento econômico deste ano, "sobre o qual tocam tanto trombone, é a mais baixa dentre os países emergentes." E o Brasil só está conseguindo crescer em 2004 - em torno de 4,5%, segundo algumas projeções - "apesar da política econômica" do governo. O crescimento, para ele, deriva do crescimento do comércio mundial, de 8,5%, segundo dados recentes da Organização Mundial do Comércio. Em 2005, o ano que antecede a eleição presidencial, a economia mundial tende a desacelerar. Daí, o desempenho "medíocre" que o Brasil pode apresentar. Ainda assim, diz Oliveira, Lula teria chances de reeleger-se. "Vai estar ali, na margem da insatisfação do eleitor. Mas não há nada catastrófico que mude a situação." O PT vai permanecer como uma força política importante "porque é o melhor implantado no país, de maneira eficiente. Vai permanecer mais pela sua profissionalização do que por razão ideológica." Essa profissionalização, lembra, pode ser vista nas eleições municipais deste ano - "as pessoas que agitam as bandeiras nas ruas para o PT são as mesmas que agitam bandeiras para as imobiliárias". Há 10 anos, lembrou, a máquina partidária do PT contava com 50 mil pessoas, "o que já era uma coisa poderosíssima. Hoje deve estar muito maior." O PSDB, que brigará pela Presidência da República em 2006, é, na visão de Oliveira, o segundo partido que deverá perpetuar-se no país e tende a atrair a camada mais rica da sociedade. Nas cidades, segundo ele, a sociedade seria dividida entre "petistas, pela miséria, e tucanos, pela afluência." Ao contrário de seu colega e presidente da Anpocs, Luiz Werneck Vianna, que vê a possibilidade de abrir-se uma terceira candidatura em 2006, já que PT e PSDB são partidos cada vez mais "assemelhados", Oliveira considera mais plausível a vitória de Lula. Uma opção mais à esquerda do PT, que poderia agradar aquele eleitor simpático ao PT, mas que está descontente com o governo Lula, não existe. "O PSOL, cuja criação eu apoiei, e o PSTU até podem ajudar se conseguirem elaborar uma crítica do PT, mas não vejo chance para eles. Esses partidos não crescerão muito." Oliveira nota no encontro da Anpocs deste ano que há mais colegas seus, intelectuais, que tradicionalmente votariam no PT, mas não o farão. Ou votarão nulo, como ele o fará na eleição municipal de São Paulo, ou na oposição. "Há uma certa irritação no ar, contra a política econômica". Ele nota isso não apenas em São Paulo, mas em Fortaleza, onde a candidata petista Luizianne Lins foi esnobada pela cúpula do partido e vai para o segundo turno com a retórica de protesto aos juros altos, com a militância na rua. "Mas sua vitória não terá impacto na direção do partido. Ela será contida pelo governo federal." A insatisfação em relação à política econômica do governo Lula foi notada em algumas discussões feitas ontem no encontro da Anpocs, o maior dos últimos 28 anos. O economista e sociólogo Marcelo Medeiros e o economista Jorge Abrahão de Castro, do Instituto de Política Econômica Aplicada (Ipea), mostraram, com números, que o quadro social no Brasil é preocupante. Há um contingente grande, equivalente a 15% da população, que vive abaixo da linha da pobreza. E a distribuição de renda continua cruel, com alta concentração da renda na mão de uma minoria. O desemprego é alto, a informalidade afeta mais de 50% da população economicamente ativa (PEA). E para o futuro, a situação da Previdência toma contornos explosivos já que apenas 47% da PEA contribuem para o INSS. Dados de 2002, os mais recentes obtidos pelo IPEA, mostram que 1,9 milhão de crianças ainda trabalham. "Nesse caso a situação melhorou, já que em 95 3,3 milhões de crianças trabalhavam e não iam à escola. Mas ainda existe trabalho infantil no Brasil", disse Castro. Na educação, observou, "apesar dos avanços no ensino básico, o Brasil continua com grande parcela não alfabetizada, mas no Nordeste e nas regiões rurais e não há politica forte para combater isso." Ele diz que a educação básica e média está sendo ampliada, mas com má qualidade. E na área de saneamento básico, o Ipea detectou que 30% da população ainda não tem rede de água, esgoto e coleta de lixo. Para melhorar esse quadro, observaram os economistas do Ipea, o governo deveria aumentar os gastos na área social. O problema, dizem, é que essa rubrica tem que se sujeitar à política de aumento do superávit primário, de restrição fiscal. A política social, para Medeiros e Castro, deveria ser levada para dentro da formulação da política econômica.