Título: Para Nakano, câmbio compromete 2005
Autor: Cybthia Malta
Fonte: Valor Econômico, 28/10/2004, Política, p. A6

O Brasil está diante de uma grande oportunidade, de iniciar um ciclo virtuoso de crescimento econômico por meio da expansão das exportações. Mas corre o risco de ver abortada essa possibilidade pois o real voltou a valorizar-se em relação ao dólar. A avaliação é do economista Yoshiaki Nakano, da Fundação Getulio Vargas (FGV). "Acho que já estamos abortando esse movimento com o câmbio. Aí viraremos exportadores de commodity agrícola para a China e a Índia", disse Nakano, a uma platéia de sociólogos, cientistas políticos e estudantes, reunidos para o congresso anual da Associação Nacional de Pós-Graduados em Ciências Sociais (Anpocs). Sua palestra, que durou cerca de uma hora, foi uma das mais concorridas no primeiro dia do 28 encontro da Anpocs, que neste ano terá 26 mesas redondas, seis fóruns, 27 seminários e apresentação de 290 trabalhos. Nakano fez uma avaliação da política econômica do governo Fernando Henrique Cardoso, a qual ele não aprova, e concluiu que o mesmo modelo, baseado na manutenção de juros altos, está sendo adotado pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Lembrou que o presidente assumiu dizendo que "primeiro ia cuidar de encher a barriga do brasileiro para depois exportar. O discurso do presidente mudou". O governo passou a falar em exportação, crescimento e emprego. Com o dólar na casa dos R$ 3,00, no primeiro semestre deste ano, esse discurso animou empresas a exportar. O fato de a economia mundial também estar crescendo este ano, como foi lembrado ontem pelo sociólogo Francisco de Oliveira, também ajudou. Mas esse quadro pode estar mudando, segundo Nakano, porque o câmbio está na casa dos R$ 2,85. "Se o câmbio não tivesse caído, teríamos todas as condições de sermos muito competitivos na exportação", disse Nakano. O Plano Real, base da política do governo FHC, foi bem sucedido ao reduzir a inflação, mas o país hoje convive com dois tipos de moeda: a Selic, que rende diariamente e à qual está atrelada a dívida pública, e a outra (o real) que não rende nada. "E como você faz as empresas e as pessoas deixarem de aplicar suas sobras de caixa na aplicação que rende diariamente para começar a aplicar no longo prazo? Esse é um problema sério para o Banco Central", diz Nakano. O erro, lembrou, foi FHC ter optado por uma estratégia de integração ao mundo pelo lado financeiro em vez de pela via do comércio, como fizeram Chile, China e Índia. Estes, explicou, mantêm moeda desvalorizada, juro baixo e crédito farto e política fiscal rigorosa. O modelo de desenvolvimento de país "dependente associado", adotado pela administração FHC, considerava que o Brasil é um país periférico e sem espaço para políticas autônomas. Então, lembrou, decidiu-se abrir a conta de capitais para atrair o capital externo e elevou-se a taxa de juro para manter o investidor no Brasil. E é justamente esse quadro que está sendo mantido pelo governo Lula. O economista da FGV, cercado por intelectuais de ciências sociais, avaliou ontem que há uma parte da sociedade brasileira, acostumada há séculos a acumular patrimônio e gastar uma parte dele em viagens internacionais, que não tem interesse em mudar o status quo. E esse grupo, com peso no Congresso e voz junto ao governo, é bem sucedido nessa empreitada. O governo FHC também legou à administração Lula um poder central extremamente fortalecido e sobre o qual há pouco, ou quase nenhum, controle no que se refere à condução da política fiscal. A avaliação é da socióloga e economista Maria Rita Loureiro, da FGV e da Universidade de São Paulo (USP). "O governo FHC tentou o ordenamento das contas públicas e conseguiu, pois até o início dos anos 90 tínhamos três orçamentos: o monetário, o das estatais e o fiscal", disse Maria Rita. Mas, em sua opinião, o Executivo federal, em especial o Tesouro Nacional, é integrado por "atores que não são eleitos e que não podem ser responsabilizados por seus atos." O Senado, a seu ver, tem transferido o papel de controlar pedidos de financiamentos para Estados e municípios ao governo federal. "E isso contribui para o caráter insular das decisões", diz Maria Rita. A burocracia pública, segundo estudo do cientista político Valeriano Mendes Ferreira da Costa (Unicamp), também padece do modelo de "presidencialismo de coalizão", que exige negociações com muitos partidos políticos e distribuição de cargos. E no governo Lula, "o ímpeto de ocupação da máquina foi intenso", com os quadros do PT cobrando participação maior em cargos públicos. "A impressão que se teve é que houve redução da expectativa de modernização da máquina", disse Costa. As avaliações de Nakano, Maria Rita e Costa vão integrar um livro dobre o governo FHC, que está sendo organizado pelo cientista político Fernando Luiz Abrucio, colunista do Valor.