Título: Palavras ao vento não valem o tempo
Autor: Wanderley Guilherme dos Santos
Fonte: Valor Econômico, 18/08/2005, Política, p. A5

Não sei em nome de quem o presidente Luiz Inácio pediu desculpas em cadeia nacional de televisão. Também ignoro qual terá sido o destinatário. E escapou-me o motivo do pedido. O plural utilizado, "nós", pode compreender os dirigentes do Partido dos Trabalhadores; os dirigentes e os parlamentares, obsequiados com pagamento de dívidas de campanha; os dirigentes, os parlamentares e membros próximos dos tesoureiros das campanhas locais; os dirigentes, os parlamentares e militantes do PT, além dos parlamentares dos demais partidos, atuais e antigos, sem esquecer governadores, prefeitos e o ex-presidente da República, Fernando Henrique Cardoso. A legislação farisaica pavimenta o atalho para o cinismo, além de obrigar a dividirem carruagem aqueles que efetivamente usam o caixa dois para financiar campanhas e os que, a pretexto do financiamento, põem a contribuição no bolso, seguros de que nenhum dos surrupiados, candidato e doador, irá reclamar. Enfim, "nós", no caso, passa por sinônimo de "todo mundo" ou "ninguém". Charada maior é descobrir a quem se destinavam as desculpas. Pouco provável que tenha sido ao Congresso pelas razões do parágrafo anterior. Ao Judiciário tampouco, por intempestivas. Seriam, então, aos ministros, ali sentados e que não desconfiaram do convite para participar no que resultaria em tremenda roubada? Aos proprietários da grande empresa (imprensa) que exigiram as desculpas em solenes editoriais? Ao público, ao povo em geral, à meteórica repórter que desapareceu após comprometê-lo com a distraída declaração de que o caixa dois era comum, fazendo-a chegar à Rede Globo, embora obtida a entrevista em nome da televisão francesa? Mas o enigma superlativo se concentra no objeto do pedido de desculpas? Desculpar o que? O que outros fizeram, o que o próprio presidente teria feito ou o fato de haver permitido que outros fizessem? Em qualquer caso, ficou sem menção o que, na verdade, importa: o feito, a natureza da ilegalidade. Dispomos de vários suspeitos em narrativa de que o maior enigma, porém, é o crime. Versão caridosa assegura que o ilícito limita-se à utilização de recursos de campanha não contabilizados. Versão realista desconfia que, em meio ao lusco fusco dos gatos pardos, muitos produziram um segundo desvio de um dinheiro já desviado, pondo-o no bolso. As oposições anunciaram um assalto às instituições públicas por parte de uma quadrilha dirigida por petistas com o objetivo de financiar a perpetuação do Partido dos Trabalhadores no poder. Parlamentares oposicionistas afirmaram, várias vezes, que o Presidente da República tinha conhecimento do projeto. Acusações menores, mas igualmente devastadoras, apontaram autismo presidencial, alheamento, alienação, patetice. Estaria o presidente se confessando um boboca, um ladrão, um conivente?

A quem, em nome de quem e por que as desculpas?

Cedendo à extorsão do pedido de desculpas o presidente Luiz Inácio expôs-se à previsível crítica de que não fora convincente. Deveria ter falado à nação, com certeza, mas não pedindo desculpas, pois as acusações, se aceitas como procedentes, são indesculpáveis. Teria sido melhor que afirmasse com suficiente ênfase, caso pudesse fazê-lo, não ser nem nunca haver sido conivente com esquemas de caixa dois, embora reconhecendo, como na entrevista em Paris, que a existência de tais esquemas é sussurrada em todas as esquinas. Escaparia à armadilha de Paris e diria o que a população deseja ouvir. Não um pedido de desculpas, mas uma declaração sem filigranas de que não concordaria com as operações financeiras da antiga direção do partido. A firmeza presidencial é tanto mais indispensável quanto desconcertante é a tibieza do comportamento dos parlamentares e dirigentes petistas. Propostas despropositadas, vide convocação do Conselho da República, outras indecorosas, como a que sugere que o presidente abdique, gratuitamente, de candidatar-se à reeleição, outras, ridículas, a pedir que se reduza drástica e rapidamente a taxa de juros, todas oferecidas de boa vontade e péssima oportunidade. Incompreensível a lentidão do judiciário interno do PT, mantendo às escuras a opinião pública não partidária, ainda que simpática. É o PT que está na berlinda. Mas, a esta altura, está difícil descobrir onde se meteram os parlamentares de convenções metalúrgicas e os intelectuais de antologias. Bando de pelintres. P.S. - Entre cafetinas e bandoleiros a CPMI dos Correios corteja o circense.