Título: CNBB veta impeachment por temer frustração popular
Autor: César Felício
Fonte: Valor Econômico, 18/08/2005, Política, p. A8

A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) encerrou ontem a sua 43ª Assembléia Geral com uma condenação a um possível impeachment do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mas sem esconder o descontentamento com o governo federal e com o PT. Em entrevistas e documentos, os bispos deixaram claro que a insatisfação vem de duas frentes: do envolvimento de dirigentes petistas com denúncias de corrupção e com as iniciativas governistas contrárias às tradicionais posições da igreja contra a manipulação genética, a flexibilização da legislação sobre o aborto e o incentivo ao uso de preservativos sexuais. Há preocupação na hierarquia católica, entretanto, com as conseqüências que a queda do governo federal poderia ter nos movimentos sociais com os quais a base leiga da Igreja tem vinculações. Por este motivo, a CNBB ainda mantêm uma tênue sustentação a Lula. "Devemos apoiar a autoridade constituída e não queremos fazer coro a uma proscrição do presidente ", disse o presidente da entidade, o cardeal de Salvador, dom Geraldo Majella Agnelo, antes de fazer uma dura cobrança a Lula. "Não sei se atingimos o fundo do poço ou se chegamos só à metade. Se o presidente não tem o conhecimento do que ocorreu, que ele se preocupe em obter todo este conhecimento e ofereça a nação uma radiografia dos fatos", disse. Segundo o secretário-geral da entidade, o bispo auxiliar de São Paulo, dom Odilo Scherer, "a crise preocupa do ponto de vista da perda de credibilidade daqueles que tem missão de governar. A corrupção pode levar o povo a pensar que não vale a pena participar mais da política. Nossa mensagem é para que não se perca a esperança e se acompanhe de forma vigilante aqueles que governam". Durante a assembléia, os bispos examinaram uma análise de conjuntura elaborada por um grupo de padres e leigos mais próximos do pensamento da base da igreja. O documento serviu de base para a declaração final. Neste texto, divulgado no início do encontro, afirma-se que o PT serviu de estuário para os movimentos sociais participarem da vida política no país. "A atual crise vai além da questão da corrupção e coloca em discussão o próprio sentido do atual sistema democrático (...) a comprovação das denúncias de corrupção ativa por parte dos principais dirigentes do PT causou uma comoção generalizada (...) alijados dos condutos políticos, os setores populares dificilmente terão como canalizar sua insatisfação e isto acarretaria os riscos da revolta ou da anomia". De maneira contida, a declaração política demonstra a mesma preocupação com o desmantelamento dos movimentos sociais e aponta como alternativa um esforço para regulamentar o artigo 14 da Constituição, que trata de instrumentos de democracia direta como plebiscitos e referendos. O agravamento da crise política acabou colocando em segundo plano o principal documento da Assembléia, que demonstra a absoluta insatisfação da hierarquia com o governo Lula em relação questões morais. No primeiro encontro dos bispos sob o pontificado ortodoxo do papa Bento XVI, a defesa dos postulados católicos tradicionais sobre reprodução humana foi selecionado como o tema central do encontro. O presidente foi o primeiro chefe de Estado a comparecer a uma Assembléia Geral da CNBB, em pleno 1 de maio, há dois anos. Despertou nos bispos a expectativa de que a Igreja Católica teria um canal de comunicação com o governo inédito na história recente do país. Mas nos últimos meses, o governo federal conseguiu aprovar uma Lei de Biossegurança que permite pesquisas de células-tronco com embriões, a ministra da Secretaria Especial de Políticas para Mulheres, Nilcéia Freire, abriu negociações para rever a legislação que criminaliza o aborto e o ministério da Saúde manteve a política de incentivar o uso de preservativos como instrumento de planejamento familiar e de contenção de doenças sexualmente transmissíveis. A ingerência da Igreja na formulação destas políticas foi nenhuma. No âmbito do Judiciário, o STF tomou decisão cautelar permitindo o aborto de fetos anencefálicos, sem que a Igreja recebesse apoio do governo em sua posição contrária. Na abertura do encontro, Lula enviou uma mensagem aos bispos, recebida com frieza. No documento final, "Declaração sobre Exigências Éticas em Defesa da Vida", os bispos distribuem críticas aos três Poderes. "A Igreja Católica é o grupo religioso mais numeroso do povo brasileiro. É inadmissível que ela seja cerceada em seu direito de participar dos debates. Causa-nos repúdio e inquietude uma série de iniciativas do Executivo, de decisões do Judiciário e de projetos do Legislativo", afirma o texto.