Título: Copom exagera mais uma vez no conservadorismo
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 18/08/2005, Opinião, p. A10

Pela realidade dos fatos e pela própria lógica conservadora do Banco Central, não há mais qualquer motivo relevante para impedir que os juros caiam e com certa rapidez. A intensidade da queda de preços, seja no atacado, seja no varejo, indicam um horizonte benigno para a redução das maiores taxas do mundo. Por isso, a decisão do Comitê de Política Monetária, de manter a taxa Selic em 19,75% , é indecifrável, no mau sentido. Até mesmo para manter os juros reais no nível absurdo em que estavam na reunião de julho - eles estão subindo devido à queda da inflação - o Copom deveria realizar um corte, mesmo que fosse o pífio 0,25 ponto percentual em que parte do mercado apostava. A taxa real brasileira é hoje praticamente o triplo da média observada nos países emergentes. Ela é aberrante, se considerado o fato de que se assiste a um período prolongado de enorme liquidez internacional e de juros reais mais baixos dos últimos 50 anos. Nada justifica um descolamento tão brutal do custo do dinheiro interno e externo, a não ser a visão ultra-conservadora de buscar, com um sistema de metas que já deixa a desejar, um alvo ambicioso, fixado arbitrariamente - 4,5% no início do ano, 5,1% depois. O fato de o BC ter obtido êxito em aproximar as expectativas do mercado de uma meta julgada impossível - segundo o boletim Focus, o mercado agora espera uma inflação de 5,4% para 2005 - não significa que ele tenha tomado o melhor caminho. Pode indicar que ele simplesmente não mediu custos para chegar a um objetivo - reduzir a inflação - que poderia ser atingido com remédios mais suaves. Até hoje não se conhece no país uma diretoria de Banco Central que tenha fracassado ao lançar mão, sob qualquer pretexto, da política de "juros na lua" para domar a economia. Esse é um dos motivos pelos quais o Brasil vive em um eterno "stop and go" que resulta em um crescimento para lá de medíocre em uma década. Apenas em um país machucado por sucessivos planos heterodoxos é que a prática de uma ortodoxia tão previsível e sem criatividade pode ser comparada à dos demais BCs do mundo, mesmo o desenvolvido - afinal, todos teriam a obrigação de ser "conservadores". É um mantra melancólico. Ainda que as perspectivas para a inflação sejam ótimas agora, é preciso ressaltar que a contribuição decisiva para jogar os índices para baixo, especialmente os IGPs, foi dado pela valorização do real, um subproduto da elevação dos juros. Já era duvidoso que em setembro de 2004 a economia se encontrasse aquecida a ponto de necessitar de uma superdosagem de juros. Nem o aumento do superávit primário para 4,5% do PIB teve qualquer influência para inclinar o BC a uma política de acomodação de violentos choques de oferta, que foram acompanhados de reajustes muito acima da inflação corrente dos preços administrados. A tese que baseia as ações do BC, muito duvidosa, é que o Brasil não pode crescer acima de 3,5% sem que o perigo da inflação ressurja. À parte erros ou acertos, o freio à economia reduziu sua velocidade de crescimento dos 5% para algo em torno de 3%. A cangalha do câmbio fez os IGPs declinarem a tal ponto que o país não terá inflação em agosto pelo quarto mês consecutivo - algo que não ocorre desde julho de 2003. Há deflação no atacado e, no ano, o IPA acumula alta de apenas 0,39%. O IPA Industrial somou até julho apenas 0,18%. Isso retira do cenário de 2006 a pressão que advém da indexação dos preços administrados. A produção industrial e as vendas no comércio se acomodaram em torno de um bom patamar, e podem retomar fôlego no segundo semestre, se os juros realmente forem reduzidos. Dada a tradição, não é difícil que o BC veja novos fantasmas na próxima esquina. O preço do petróleo é um deles, mas o reajuste necessário teria pouco impacto no IPCA. Resta a crise política que, até agora, tem reduzido poder de causar estragos diante da solidez dos fundamentos econômicos. Friamente, ainda não serve de argumento para que os juros não se movam para baixo. O tempo das oportunidades pode já ter passado. Como diz o ex-presidente do BC, Ibrahim Eris (Valor, 16 de agosto), "em todas as crises, a reação foi violentamente conservadora e os juros foram violentamente elevados. Nos momentos favoráveis, as queda dos juros foram sempre em doses homeopáticas". É um longo pesadelo, que, pelo que indica o Copom, não vai terminar tão cedo.