Título: Depois da retirada de Gaza
Autor: Daoud Kuttab
Fonte: Valor Econômico, 18/08/2005, Opinião, p. A11

Chegou a hora de avaliar as lições aprendidas com os anos de ocupação e resistência

A retirada das tropas israelenses e a evacuação dos colonos judeus de Gaza, após 38 anos de ocupação, é a mais recente prova dos limites do poderio militar, mesmo quando esse poder é esmagador. É chegada a hora de avaliar as lições aprendidas com os anos de ocupação e resistência no propósito de compreender o que israelenses e palestinos devem fazer de agora em diante. Para começar, é imperativo compreender quanto crédito os palestinos podem reivindicar, de fato, pela retirada israelense. Certamente, a resistência palestina e os sacrifícios são fatores que contribuíram para a decisão de Ariel Sharon de reverter uma política que ele havia adotado por décadas. Seria um erro, porém, atribuir a retirada israelense exclusivamente à militância palestina. Afinal, essa agridoce ação israelense não foi um claro resultado de uma derrota militar nem uma conseqüência de negociações políticas. Mas o unilateralismo não é uma política eficaz e racional para o longo prazo, pois ela não conduzirá a uma paz genuína e duradoura no Oriente Médio. Sharon, como o presidente Bush descobriu no Iraque, também se verá obrigado a reconhecer os limites da sua estratégia. O unilateralismo parece ser muito oportuno para políticos de visão estreita, pois evita a necessidade daquilo que eles percebem ser a confusão das reais negociações - ou seja, se encontrar com os seus colegas face a face e descobrir os resultados humanos das suas políticas. Prosseguir solitariamente também parece ser politicamente vantajoso internamente, porque os líderes podem decidir a extensão e a intensidade nas quais desejarão executar uma política específica. Para ser justo, o unilateralismo é conveniente não só para um premiê israelense relutante, que não quer fazer promessas substanciais durante as negociações; ele também é atraente para palestinos da linha-dura que consideram o multilateralismo como uma forma de pressioná-los a fazer concessões impopulares. De qualquer forma, no dia após o término da retirada de Gaza, israelenses e palestinos serão confrontados com importantes questões não resolvidas. Não há dúvida de que a evacuação de colonos judeus de áreas que os israelenses consideram parte de seu território outorgado por Deus representa um enorme revés ideológico. Após anos de pregações e práticas de um dos principais dogmas do sionismo, porém, prosseguirá a remoção dos assentamentos na Cisjordânia, ou terá sido esta apenas uma exceção?

A decisão de Washington de rotular a iniciativa unilateral de Israel como sendo parte do mapa da paz não conseguiu convencer muitos palestinos

Os palestinos, por sua vez, precisarão responder questões - através de atos, não apenas com palavras - sobre a sua capacidade de construir um Estado pluralista moderno. Como lidará o organismo político palestino com o crescente poder dos movimentos islâmicos que, sem dúvida alguma, esperarão receber uma parcela significativa do poder na Gaza pós-ocupação? A comunidade internacional também deverá responder algumas perguntas estratégicas. De acordo com o Conselho Econômico Palestino para a Reconstrução e o Desenvolvimento (PECDAR), a renda anual per capita em Gaza continua registrando média de aproximadamente US$ 700, enquanto os israelenses desfrutam média de US$ 16 mil ao ano. Na ausência de postos de trabalho bem remunerados, o que acontecerá com as filas dos desempregados de Gaza? A potencial migração dos pretendentes a empregos - uma força formidável mundialmente - é apenas um problema. De forma mais imediata, se as famílias dos moradores de Gaza não forem bem nutridas, a repetição da violência procedente de Gaza, quando não a erupção de uma terceira Intifada, será apenas uma questão de tempo. Se por um lado a situação econômica em Gaza é um tema crítico, o futuro do conflito palestino-israelense, por outro lado, será em grande medida determinado pelos próximos passos no processo de paz. Questões de status permanente, referentes às fronteiras, à Cisjordânia e aos refugiados precisam ser equacionadas bilateralmente. Qualquer observador sério do conflito palestino-israelense sem dúvida reconhecerá que não pode haver nenhuma solução unilateral para esses temas. Quanto aos garantidores multilaterais do processo de paz, os Estados Unidos e os seus parceiros do quarteto - a União Européia, as Nações Unidas e a Rússia - falharam em fornecer mesmo os mais básicos fatos relativos à retirada de Israel ou à maneira como ela se relaciona com o "mapa da paz" acertado em 2003. Eles não podem continuar sentados à margem. A quixotesca decisão de Washington de rotular a iniciativa unilateral de Israel como sendo parte do mapa da paz não conseguiu convencer muitos palestinos. A opinião predominante entre os palestinos é que o mapa da paz será congelado assim que os israelenses completarem a retirada de Gaza. Mas os povos israelense e o palestino, seus líderes e a comunidade internacional precisarão responder conjuntamente aos desafios que se seguirão. E o que é mais importante, o futuro do conflito e as perspectivas para uma paz genuína na região dependerão do entendimento dos limites do poderio militar ofensivo, da resistência defensiva e do unilateralismo. Sérias negociações face a face, em conformidade com a lei internacional e com a ajuda da comunidade internacional, são a única forma de seguir adiante.