Título: Crise política dificulta tarefa de corte no juro
Autor: Cristiane Perini Lucchesi
Fonte: Valor Econômico, 18/08/2005, Finanças, p. C8

Visão Externa Para estrategista do JP Morgan, Brasil oferece oportunidades para investidor internacional

A crise política torna mais difícil para o Banco Central brasileiro orquestrar o processo de redução gradual das taxas de juros, acredita Richard Madigan, estrategista chefe de investimento da área de private banking - que reúne o dinheiro das pessoas físicas ricas - do JP Morgan para a América Latina. Ele afirma, no entanto, que o Brasil oferece hoje uma grande oportunidade para o investidor externo -não só para o mais agressivo, como os fundos de hedge, mas também para o investidor de médio prazo, como os de private banking. "Os fundamentos são bons. Há riscos e nós conhecemos esses riscos e estamos sendo pagos por eles", afirmou ontem pela manhã em entrevista ao Valor na sede do JP Morgan em São Paulo. Madigan diz que será "fascinante" observar as reuniões do Copom (Comitê de Política Monetária) daqui para a frente. "As taxas de juros reais de 14% são altas demais e as consequências são o crescimento econômico menor", afirma. Há também o impacto dos juros altos na dívida pública e no superávit fiscal nominal. Mas a transição para um cenário de maior crescimento e de juros mais baixos precisa ser bem orquestrada, acredita. "O Banco Central pode começar a reduzir taxas de juros, mas não pode fazer isso de uma forma muito provocativa que acabe assustando dinheiro para fora do país", diz. Segundo ele, o BC não quer tirar o real do nível de R$ 2,35 por dólar para R$ 2,75 por causa de um corte muito agressivo nas taxas de juros. "Não é uma transição muito fácil e o processo político que irá até as eleições de outubro torna essa situação um pouco mais frágil. Vai deixar os mercados um pouco mais cautelosos", afirmou ele. Segundo ele, o investidor externo que está aplicando no mercado interno futuro de juros e de moedas brasileiro, aproveitando as altas taxas oferecidas para os investimentos em reais, está confortável em ficar aqui enquanto o real continuar com uma oscilação dentro do que definiu como "uma banda", digamos entre R$ 2,40 a R$ 2,30. Mas esse dinheiro é de muito curto prazo, os fundos de hedge mais agressivos, segundo classificou. "Esses fundos se movem globalmente, são o real 'hot money'", disse. Segundo ele, esse investidor de curto prazo está hoje com posições fortes no mercado do Brasil, do México e da Turquia. "Ele estão nesses mercados, pois têm uma visão fundamental que é positiva. Nós esperamos que não haja um choque externo ou um choque doméstico por causa de uma nova revelação de maior impacto dentro da crise política que leve esse dinheiro a sair do país", afirmou. Segundo Madigan, colegas brasileiros parecem estar surpresos com o comportamento do investidor externo com relação à crise. "Eu não acho que há uma visão complacente com o cenário político no Brasil de quem está fora do país, mas sim uma frustração mais geral com os ciclos políticos de forma global", afirmou. Para ele, há um "grau geral de cinismo geopolítico neste momento" em todo o mundo. "Em geral as pessoas estão frustradas com a política." Indagado se a corrupção no Brasil não assusta o investidor, ele respondeu: "Olhe para a corrupção na Fortune 400 nos Estados Unidos. E pelo que nós americanos estamos passando neste momento no processo de trazer isso à tona" . Ele se referiu à crise de credibilidade no mundo corporativo nos EUA, que se iniciou com a Enron e se aprofundou com a WorldCom. "O Brasil não é o único - talvez esteja apenas em estágio diferente." Para ele, a apuração dos fatos legitima mais as instituições existentes no país e reforça a democracia. "Eu acho que os mercados externos estariam mais preocupados se o Brasil não estivesse levando a crise tão a sério aqui dentro." Madigan destaca, no entanto, que por enquanto é impossível saber a profundidade da crise política no país. "Eu poderia esperar que esse seja um processo mais longo e mais pronunciado, pois você não tem eleições até outubro do ano que vem. Então há muito tempo daqui até lá para o processo se desenvolver", afirmou. O especialista acredita, no entanto, que a apuração dos fatos vai deixar o Brasil em uma "mais forte" se o país conseguir mostrar que ao próprio povo e aos investidores que a "corrupção é um evento fora do normal, não sistêmico". Se o investidor pensar o contrário, "o prêmio de risco crescerá e muito". Para ele, os bons fundamentos são contraponto importante à crise política, com o aumento de reservas internacionais, o caixa em moeda forte, com crescimento no saldo da balança comercial e a redução da dívida interna vinculada ao câmbio, além do controle maior da inflação. Se o Brasil conseguir superar a crise política de forma a eleger um presidente com poder político suficiente para continuar a levar as reformas necessárias adiante, o Brasil poderá até atingir o grau de investimento ("investment grade") nos próximos três a quatro anos, acredita ele, com ganhos fortes para o investidor que entrar agora.