Título: Folha de pessoal cada dia mais robusta
Autor: Claudia Safatle
Fonte: Valor Econômico, 19/08/2005, Brasil, p. A2

A folha de salários da União deverá chegar à casa dos R$ 108 bilhões em 2006, o que representa acréscimo de cerca de R$ 10 bilhões sobre o gasto previsto para este ano, segundo estimativas ainda preliminares que constam da proposta de Orçamento da União para o próximo exercício. Crescimento nominal de pouco mais de 10%, portanto. Em menos de um mês e em meio à profunda crise política, o governo, frágil, cedeu às pressões da caserna, endossadas com afinco pelo ministro da Defesa e vice-presidente da República, José Alencar, e concordou com um aumento de 23% para os militares. Reajuste que será pago em duas parcelas, com impacto de R$ 4,9 bilhões entre este ano e o próximo. O percentual foi bem superior aos 13% que a área econômica do governo estava disposta a conceder. Mas não deu para segurar. Concordou, também, com um reajuste para os funcionários do INSS, numa negociação atabalhoada em que os ministros do Trabalho, Luiz Marinho, e da Previdência Social, Nelson Machado, fecharam uma proposta que o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, havia recusado a aceitar. O Planejamento queria dar aumento maior para os funcionários da ativa, através das gratificações, e não aceitava pagar os salários correspondentes aos 76 dias parados. Os funcionários do INSS defendiam reajustes maiores para os aposentados, não aceitaram o desconto dos dias parados e a negociação foi suspensa. O ministro do Trabalho decidiu entrar no jogo, retomar as conversas com os servidores do INSS e, de comum acordo com Machado, definiu uma forma em que os servidores aposentados acabaram com reajustes melhores do que imaginava o Planejamento. Eles acertaram, também, que o governo devolverá os descontos dos dias parados efetuados em julho, na expectativa de que sejam compensados com horas a mais trabalhadas a partir de agora. O custo total, porém, foi mantido: R$ 140 milhões. O governo sancionou, ainda, o aumento do teto salarial do servidor público de R$ 19,115 mil no ano passado para R$ 21,5 mil - equivalente ao maior salário do Supremo Tribunal Federal - retroativo a janeiro deste ano, pela lei 11.143, aprovada em 27 de julho. Na mesma penada o presidente Lula aprovou, também, a lei 11.144, que já eleva o teto dos vencimentos do Judiciário e dos cerca de 30 mil funcionários do Executivo (que têm incorporados aos seus salários vantagens adquiridas no tempo que estouram o teto), para R$ 24, 5 mil em 2006. Um aumento, entre 2004 e 2006, de cerca de 28%, com custo estimado para este ano de R$ 184 milhões. Está, também, concluindo as negociações com os servidores dos ministérios da Saúde, Trabalho e Previdência, que compõem o quadro da seguridade social, para um reajuste de 47,11 %, parcelado em 6 anos, a ser pago a partir de março de 2006. Uma despesa de mais R$ 1,8 bilhão até 2012. Em resumo, começam a se esgotar as três frentes de arrocho fiscal usadas nos dois últimos anos, pela área econômica, para cumprir as metas de superávit primário. São elas, redução dos investimentos, da folha de pagamentos e demais custeios como proporção do PIB. Raul Veloso, especialista em contas públicas, assinala que esses são "veículos de ajuste" que, em geral, não podem ser usados por mais do que um par de anos, pela simples razão de que as pressões se avolumam e o governo tem que ceder. Resta saber com o que o governo contará para cumprir a meta de superávit de 2006, principalmente se ela for aumentada de 4,25% do PIB para 5% do PIB, como quer o Ministério da Fazenda e não quer o resto do governo.

Faltam dinheiro, transparência e lei

Além da questão financeira, há outros aspectos intrigantes na gestão da política de pessoal do setor público. Um deles é o fato de o Executivo, que é quem controla o caixa e tem que cumprir metas fiscais, não ter acesso às informações sobre a estrutura dos salários do Judiciário e do Legislativo, embora os funcionários dos três Poderes recebam pelo mesmo caixa da União e sejam, portanto, pagos com recursos cobrados da sociedade, através de impostos. Tamanha ausência de transparência do Legislativo e Judiciário é praticada sob o manto da "independência dos Poderes", como se o dinheiro que recebem fosse produto da geração espontânea, e fere o parágrafo 6º da emenda constitucional 19, que determina: "Os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário publicarão anualmente os valores do subsídio e da remuneração dos cargos e empregos públicos." A única informação disponível se refere à despesa média de 12 meses com servidores públicos do Legislativo e do Judiciário. Toma-se o gasto total, dividido pelo número de servidores, e acha-se a média. Aí já é possível constatar a diferenças que até justificam a insatisfação dos militares. Enquanto o gasto médio no Executivo é de R$ 3.238,00 para os funcionários civis e de R$ 2.496,00 para os militares, no Legislativo essa cifra sobe para R$ 9.139,00; para R$ 9.688,00 no Ministério Público da União; e para R$ 8.872,00 no Judiciário. Os dados constam do Boletim Estatístico de Pessoal de fevereiro deste ano, último divulgado até agora. Um segundo aspecto, também incompreensível, refere-se à ação do governo nas greves. Os funcionários do INSS ficaram 76 dias parados, prejudicando a população que depende dos seus serviços. O ministro Paulo Bernardo entendeu que não deveria pagar os dias parados. Os funcionários foram a outros interlocutores, que aceitaram pagar desde que os servidores reponham em horas trabalhadas. O Ministério do Planejamento alega que essas coisas acontecem porque o direito de greve no setor público não tem qualquer regulamentação e fica, assim, sujeito a um critério arbitrário. Previsto na Constituição de 1988, o direito de greve nessa área teria que ter sido regulamentado por um projeto de lei que nunca foi aprovado. Há uma porção de propostas tramitando no Congresso com esse fim e vontade alguma para faze-los tramitar. Falta uma política clara de pessoal, faltam garantias para que os serviços essenciais funcionem quando houver greve, faltam informações sobre os salários do Legislativo e Judiciário, falta uma data base para reajuste. E sobram pressões.