Título: Avanço da legislação brasileira e o título de crédito eletrônico
Autor: Fábio Fonseca
Fonte: Valor Econômico, 28/10/2004, Legislação, p. E2

"Em breve o título se desvinculará da sua definição de documento cartular" O recém editado Código Civil possibilitou uma melhor regulamentação para os títulos de crédito. Pela primeira vez em nosso ordenamento jurídico há uma regra geral a respeito da matéria, que até então era tratada por legislação esparsa. São exemplos de leis esparsas a Lei do Cheque (Lei nº 7.357/85), a Lei das Duplicatas (Lei nº 5.474/68) e a Lei Uniforme de Genebra (Lei nº 67.663/66), as quais, vale lembrar, permanecem vigorando e, inclusive, preponderam ante as disposições gerais do Código Civil. O legislador não teve a intenção de revogar ou modificar a legislação vigente, mas apenas estabelecer preceitos gerais atinentes às cártulas. Trata-se, a rigor, da positivação da teoria geral dos títulos de crédito. É o que se conclui, por exemplo, da leitura do artigo 889 do novo Código Civil, que estabelece os requisitos essenciais de um título: a data da emissão, a indicação precisa dos direitos que confere e a assinatura do emitente. A técnica legislativa empregada, qual seja, a de regulamentar-se apenas os princípios gerais, deixando a cargo da legislação esparsa as disposições específicas de cada cártula, tem o objetivo maior de possibilitar a criação de novos títulos de crédito. Nesse sentido, o novo Código Civil permite não somente a criação de títulos inominados ou atípicos como também a emissão de títulos por via eletrônica, a partir de "caracteres criados em computador ou meio técnico equivalente", desde que "constem da escrituração do emitente" e sejam observados os requisitos dos títulos de crédito convencionais (artigo 889, parágrafo 3º do novo código). Colocado em prática tal preceito, pode-se prever que, em breve, o título de crédito se desvinculará da sua definição de documento cartular, passando, cada vez mais, a integrar os meios eletrônicos de circulação de riquezas. Trata-se, aliás, de uma necessidade do mercado, pois o fomento do comércio eletrônico hoje esbarra justamente na ausência de elementos que lhe garantam a mesma segurança jurídica observada nas vias convencionais.

A regulamentação dos títulos de crédito pelo novo Código Civil representa um grande progresso na legislação

Uma das dificuldades a serem superadas diz respeito à exigibilidade do crédito originado em âmbito virtual. Tome-se, por exemplo, uma compra e venda realizada pela internet. Para comprovar a operação, o comprador nada pode fazer além de imprimir a tela pela qual solicitou o produto ou serviço; quando muito, a transação lhe é confirmada pelo envio de um correio eletrônico. O fornecedor, por sua vez, fica sujeito à mesma dificuldade, exigindo a efetivação de pagamento prévio para somente então proceder a entrega do produto. Não se encontram tais dificuldades na tradicional compra e venda mercantil. Aquele que saca uma duplicata vê na própria cártula o instrumento necessário para executar o sacado, na hipótese deste incorrer em insolvência; o sacado, por sua vez, tem como comprovar a espécie, qualidade e quantidade da mercadoria que adquiriu, podendo demandar o sacador que lhe disponibilizar produto em desconformidade ao convencionado. Para superar essa dificuldade, o mercado deve buscar a "descartularização" (desmaterialização) do título de crédito, o que pode ser feito a partir da regra do artigo 889 do novo Código Civil vigente. É o que se tem verificado com as duplicatas, cujo formato tradicional têm cedido espaço à geração e emissão de caracteres por computador. A efetiva emissão e assinatura (aceite), contudo, ainda são feitos da forma convencional. Mas o próprio artigo 889 da nova lei, por intermédio de seu parágrafo 3º, possibilita a criação do título de crédito estritamente virtual. Ocorre que ainda não foi regulamentado um sistema eficiente e seguro que substitua a assinatura autográfica. Vale dizer, ainda não se chegou a um consenso quanto à forma de se garantir a integridade do conteúdo envolto na transação. A regulamentação dos títulos de crédito pelo novo Código Civil representa um grande progresso na legislação, que tem a difícil missão de manter-se atualizada em relação ao implacável e veloz avanço da tecnologia que envolve as relações comerciais. A conquista foi de que hoje a implementação do título virtual já não depende de qualquer construção jurisprudencial, como se chegou a cogitar, sendo certo que o comércio eletrônico estará plenamente aparelhado tão logo se regulamente um sistema que elimine a assinatura autográfica.