Título: Delúbio diz ter usado caixa 2 na campanha de Ciro
Autor: Thiago Vitale Jayme e Ricardo Balthazar
Fonte: Valor Econômico, 19/08/2005, Política, p. A6

Crise Depoimento de ex-tesoureiro foi marcado por evasivas e ironias

O depoimento do ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares à CPI do Mensalão durante todo o dia de ontem foi marcado pela estratégia traçada por seus advogados: respostas evasivas e longas, pouca objetividade e escassez de informações novas para o avanço das investigações. Sem dispensar a arrogância, aliada a uma sucessão de contradições ao longo do depoimento, o ex-tesoureiro do PT irritou alguns parlamentares que o inquiriam. Delúbio informou ao mesmo tempo que indicava os pagamentos e que não tinha controle de nomes e quantias. Demonstrou total falta de organização ao revelar que não havia controle dos sacadores dos mais de R$ 55 milhões das contas do empresário Marcos Valério de Souza, mas prometeu enviar listas de nomes à CPI. O ex-tesoureiro caiu em contradição, também, ao reiterar a idoneidade do dinheiro da campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva: em outro momento, assumiu que o dinheiro para o pagamento da propaganda feita por Ciro Gomes na campanha de Lula foi do esquema de caixa 2. "Já assumi a responsabilidade e continuo assumindo", disse Delúbio reiteradas vezes, ao referir-se ao dinheiro não contabilizado. Sobre a participação dos demais dirigentes petistas no esquema, o ex-tesoureiro dava respostas vagas. "A direção do partido sabia das dívidas e soube, depois, que o problema foi resolvido por mim", afirmou. Mais ao final do depoimento, voltou ao tema sem, no entanto, detalhar quem conhecia os métodos usados por ele e Valério. "O diretório do PT tinha uma decisão de resolver os assuntos. E eu tinha de resolvê-los", explicou. O senador Eduardo Suplicy (PT-SP) pediu ao presidente da CPI, senador Amir Lando (PMDB-RO), que envie ofício a todos os dirigentes do partido pedindo explicações sobre as dívidas do partido. Nesse momento, Delúbio voltou a assumir a responsabilidade: "Só eu negociava". A senadora Ana Júlia Carepa (PT-PA) não gostou da resposta: "Não creio que só você e o Sílvio (Pereira, ex-secretário-geral do PT) sejam os responsáveis". Ao ser questionado se ele era um dos "traidores" citados pelo presidente Lula no discurso ao país na sexta-feira passada, o ex-tesoureiro fez um discurso enfático: "Respeito muito o presidente e como seu seguidor não questiono as declarações dele. Não vou delatar ninguém. Podem dizer o que quiserem. Eu não me sinto traidor!". Delúbio repetiu dezenas de vezes as expressões: "Já respondi, mas respondo de novo"; " já expliquei essa situação"; "já descrevi aqui com toda paciência". As declarações e a postura do ex-tesoureiro irritaram os integrantes da comissão, que começaram a ironizar as respostas . Quando o deputado Eduardo Valverde (PT-RO) tentou defender o ex-tesoureiro e reclamou das ironias, a CPI se revoltou e teve que ser suspensa. "É preciso ter respeito. Está havendo um escárnio ao depoente", protestou o petista. Em seguida, Wlad Costa (PMDB-PA) e João Fontes (PDT-SE) se levantaram. Dedo em riste, começaram a gritar com Valverde. Na volta da sessão, a deputada Zulaiê Cobra (PSDB-SP) retomou os protestos: "Vemos aqui uma falta de respeito com essa comissão. O depoente não está à altura desse Congresso". O ex-tesoureiro disse diversas vezes que a campanha do presidente Lula foi paga com dinheiro contabilizado. A dívida pendente com o publicitário Duda Mendonça paga pelos empréstimos tomados por Marcos Valério referiam-se principalmente às campanhas de São Paulo. O deputado Júlio Redecker (PSDB-RS) tentou provar o contrário. O parlamentar questionou Delúbio sobre o saque de R$ 457 mil realizado por Márcio Lacerda, ex-secretário-executivo do ministro da Integração Nacional, Ciro Gomes, das contas de Marcos Valério. O petista revelou que a quantia se refere à uma dívida da eleição de 2002. O montante serviu para quitar um débito deixado por Ciro quando da gravação de vídeos de apoio à candidatura de Lula no segundo turno da campanha. "Se a dívida foi tomada por Ciro Gomes para um vídeo de apoio ao Lula no segundo turno, isso quer dizer que pelo menos esse débito da campanha do presidente foi paga com caixa 2. Porque era um material para a campanha de Lula", concluiu Redecker. Delúbio se calou. Ainda sobre Duda Mendonça, Delúbio falou do recebimento pelo publicitário de repasses feitos por Marcos Valério em uma conta no paraíso fiscal das Bahamas. Eximiu-se da responsabilidade sobre a operação. "Eu apenas disse ao Valério para quitar a dívida com o Duda. Mas a forma como isso foi feito é um acerto entre eles", disse. Delúbio voltou a negar o repasse de R$ 4 milhões ao PTB por meio de malas de dinheiro. "Houve transferência para o partido por conta de acerto com o deputado Roberto Jefferson. Mas não dessa forma". O montante faria parte das dezenas de saques efetuados junto às contas da SMP&B e da DNA no Banco Rural, segundo Delúbio. Ele negou também que tenha sido ameaçado por Jefferson pela falta de pagamento das dívidas do PTB, como revelou Valério em depoimento há uma semana. "Isso não aconteceu", disse. Delúbio confirmou o acerto com Valdemar Costa Neto para repassar R$ 10 milhões ao PL. O ex-tesoureiro confirma a realização da reunião na casa do deputado Paulo Rocha (PT-PA), revelada em entrevista de Costa Neto à revista "Época" na semana passada, onde foi feito o acordo, estando presentes, em outra sala, Lula e José Alencar, os candidatos a presidente e a vice. "Definimos que 25% da nossa arrecadação financiaria a campanha do vice-presidente José Alencar e do PL", afirmou. O acerto levava em conta um orçamento de R$ 40 milhões. Mas o partido só arrecadou R$ 36 milhões. "Como não atingimos o nosso objetivo, tivemos de pagar o restante em 2003 e 2004 ao PL", disse Delúbio. Delúbio tentou convencer os parlamentares de que não teve nenhum controle do repasse do dinheiro das contas de Valério. "Não tenho a famosa caderneta paralela", disse. Lando pediu ao depoente para apresentar uma lista com os nomes dos beneficiários do dinheiro em um prazo de oito dias. O ex-tesoureiro prometeu entregar a relação. Os parlamentares também mostraram descontentamento com a versão do ex-dirigente petista para a confiança de Valério ao contrair dívida de R$ 55 milhões junto aos bancos Rural e BMG sem garantia de pagamento por parte do PT. Delúbio disse que não havia outra garantia a não ser a amizade entre ambos e negou favores ao amigo por parte do Palácio do Planalto. "Nunca pedi que ninguém do governo ajudasse Marcos Valério. Ele queria entrar no ramo do marketing político. Tentei ajudá-lo para fazer acordos com partidos da base nos estados mas não foi possível." Ao final, questionado se está arrependido do que fez, o ex-tesoureiro deu a seguinte resposta: "Não. Talvez faria de outra forma. Eu não roubei. Foi para a política".