Título: Sinal Vermelho
Autor: Angelo Pavini
Fonte: Valor Econômico, 28/10/2004, Investimento, p. D1

Corretoras ficaram responsáveis por recolher a CPMF nas aplicações, mas alguns gerentes exigem o pagamento do tributo também no banco

O investidor que for transferir seu dinheiro de um banco para um fundo ou outro ativo de uma corretora corre o risco de pagar uma CPMF a mais. Alguns gerentes estão ignorando a nova regulamentação da Receita Federal - que pela Instrução 450 determina que o recolhimento da CPMF deve ser feito pela corretora - e cobram a contribuição também na conta corrente. Em alguns casos, o cliente precisa apelar para a corretora, que entra em contato com o gerente para convencê-lo a fazer a transferência sem a CPMF. As reclamações fizeram a Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) recorrer à Federação Brasileira das Associações de Bancos (Febraban) e ao Banco Central (BC) para tentar resolver o problema. O BC, responsável pela fiscalização dos bancos, informou que só falaria sobre uma denúncia específica e não "em tese" e passou a bola para a Receita Federal. Já a Receita informou que está acompanhando o problema e que o contribuinte deve informar ao BC se o banco fizer algo errado no recolhimento. A Febraban informou que essa questão havia sido resolvida antes mesmo da instrução da Receita, por um entendimento entre bancos, Banco Central e bolsas e que cada instituição foi informada de que a cobrança seria feita pela corretora. E se há problemas em algumas instituições, não foi por falta de aviso, informa a entidade.

A má vontade dos bancos em permitir que o correntista aplique os recursos em outra instituição já é velha conhecida do mercado. Tanto que, mesmo com a conta-investimento, poucos bancos oferecem a transferência eletrônica para outras instituições nos serviços via internet ou por telefone. O cliente em geral tem de ir à agência para fazer a operação. Em alguns casos, antes da conta investimento, não era raro o banco cobrar CPMF também na aplicação em ações, ignorando que a operação era isenta, a menos que o cliente avisasse. O problema maior está nas corretoras que têm fundos de investimentos. Antes o investidor pagava a CPMF no banco, quando fazia a transferência. Agora, ele tem de pedir a transferência com alíquota zero para a conta da corretora ou do fundo onde quer aplicar, explica Ricardo Gattai, gerente administrativo financeiro da corretora Sadia Concórdia. "A dificuldade é que os bancos tem de mandar todas as aplicações para corretoras por alíquota zero, o que valia apenas para ações", diz. Alguns gerentes, porém, acham que a isenção continua valendo apenas para ações. Isso, segundo Gattai, é um sinal de que os bancos não se prepararam para a mudança. Um dos motivos pode ser o fato de que o número de operações era pequeno, concentrado em algumas agências com grandes clientes. E, no caso dos pequenos investidores, eles acabavam pagando a CPMF mesmo na aplicação em ações. Gattai explica que o dinheiro sai da conta do investidor no banco e vai para a conta da corretora ou do fundo onde ele quer aplicar. Lá, ele é transferido para uma conta em nome do cliente. E, dependendo de onde o dinheiro é aplicado, a corretora recolhe a CPMF, se for o caso. Se for para ações, não há cobrança. Já se for para fundos ou para o Tesouro Direto, há o recolhimento uma vez. Depois, pela conta-investimento, não há novas cobranças nas movimentações. Trata-se de um problema generalizado, que atinge todos os bancos e varia de agência para agência, diz Gattai. "Todo dia tem uma reclamação e temos de falar com o gerente, explicar, como é o procedimento, mandar a instrução, mas em alguns casos não adianta", diz. Foi o que aconteceu com o chefe de tesouraria Ubiratan Aguiar Pereira. Na semana passada, ele tentou transferir dinheiro da conta no ABN Amro Real para a corretora onde aplica em ações, mas não conseguiu. A corretora chegou a ligar para o gerente, mas não adiantou. "Segundo o gerente, o banco tinha um parecer jurídico e não faria de forma alguma a remessa isenta porque era transferência de titularidade", disse. A saída foi usar os recursos que ele tinha no Bradesco, que não criou problemas. "Fiquei mais contrariado porque não pedi nada ilegal, é uma coisa que já foi divulgada" , disse. "O que percebo é que se cria um entrave quando se quer transferir dinheiro do banco, se fosse dentro da instituição, não haveria problema", diz. Ele lembra que esse tipo de atitude traz prejuízo ao investidor. "No mercado acionário, pode-se perder 5%, 10% em um dia por uma dificuldade dessas", afirma. Pereira explicou ao gerente que o objetivo da operação era comprar ações, que era portanto isenta de CPMF, mas ele reagiu perguntando "e se a corretora não aplicasse em ações?". "Virou um processo de constrangimento, não tenho de ficar me justificando se não estou fazendo nada ilícito", diz. Pereira lembra que, antes da conta-investimento, ele fazia um TED de uma conta para outra, sem precisar falar com gerente. "Agora precisei pois o home bank não menciona a operação", diz. Procurado, o Banco Real enviou uma nota na qual ignora a alteração na cobrança da CPMF. Segundo o banco, "a transferência de recursos de uma conta-corrente para uma Corretora de Títulos e Valores Mobiliários, cuja finalidade específica seja compra/investimentos em ações, é feita sem a cobrança da CPMF". "No entanto, é de responsabilidade do cliente a informação quanto à finalidade a que se destina o valor transferido. Qualquer outra aplicação/investimento, diferente desta, é tributada quando realizada via conta-corrente", diz a nota, que não explica por que o gerente não quis isentar a transferência mesmo após o cliente informar que era para compra de ações. A falta de informação parece ser localizada em agências menores. Tanto que o mesmo Bradesco criou problemas para um investidor da Sadia Concórdia, que pediu para não ter seu nome citado. Ele tentou fazer a transferência na agência onde tem conta e não conseguiu. "Tive de pedir ajuda à corretora e, depois de um funcionário explicar para o gerente o procedimento, ele falou com executivos do banco que autorizaram a operação isenta", diz. O dinheiro ia para um fundo DI da corretora. Os bancos têm uma tendência de dificultar a saída de dinheiro e não informam adequadamente nuances operacionais para os gerentes, o que acaba bloqueando as operações, diz Eduardo Lobo Fonseca, da corretora Souza Barros. "Isso aconteceu com as assets independentes logo após o início da conta-investimento e agora também com as corretoras", diz. Para ele, trata-se porém de um problema de falta de preparo dos gerentes e não de desrespeito dos bancos. "Tanto que o problema varia de agência para agência de um mesmo banco", diz. Ele admite, porém, que antes da conta-investimento, alguns bancos retinham CPMF de aplicações em ações. "Tinha banco que mesmo o cliente avisando ainda recolhia do coitado", diz. Fonseca acredita que os problemas sejam um ajuste natural às mudanças. As corretoras e as bolsas já contataram o BC e Febraban comunicando em quais bancos há problemas. As dificuldades de transferências de recursos de bancos para corretoras existem, e elas têm sido administradas no dia-a-dia, diz Paulino Botelho, presidente da Associação Nacional das Corretoras (Ancor). "Mas isso vai ser superado com informação, não há má vontade dos bancos", afirma. Ele diz que a instituição continua em contato com os bancos. Para o advogado Fábio Nonô, do escritório Tozzini, Freire, Teixeira e Silva, o problema é a falta de clareza na regulamentação. "E o banco não tem como se proteger legalmente, pode estar sujeito a questionamentos", diz.