Título: Novo sistema será mais rigoroso com cartéis
Autor: Claudia Safatle
Fonte: Valor Econômico, 29/10/2004, Brasil, p. A2

Estão prontas e serão encaminhadas ao Congresso Nacional no final do ano, as propostas de reestruturação do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC), que têm como base três objetivos: "Ser mais seletivo na análise das fusões e aquisições de empresas; mais rigoroso com os cartéis; e mais técnico nos casos que envolvem os setores regulados", resume o secretário de Defesa Econômica, Daniel Goldberg. São dois atos legais elaborados pelo Executivo - um projeto de lei que pretende mudar a lei nº 8.884, de 1994; e um outro, que poderá ser medida provisória, que abre contratações e estrutura as carreiras nessa área. O texto final foi concluído em reunião na Casa Civil, na quarta-feira. Haverá, assim, um novo modelo para as instituições, e os órgãos de defesa da concorrência ficarão sob o guarda-chuva do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Um novo Cade. Ou seja, as funções da Secretaria de Acompanhamento Econômico (Seae), do Ministério da Fazenda, e a Secretaria de Defesa Econômica (SDE), do Ministério da Justiça, serão parcialmente absorvidas pelo conselho, que não levará o nome de agência, até porque o governo não quer criar mais agências, mas funcionará como tal. A partir do novo arcabouço legal, as análises de fusões e aquisições serão prévias e não à posteriori, como é hoje. Para entrar no filtro nas análises, ao invés de ter como premissa as empresas com faturamento anual mundial de R$ 400 milhões para cima, o critério para que a empresa notifique uma operação ao Cade será ter faturamento anual no Brasil de pelo menos R$ 150 milhões. Só com essa régua, cerca de 30% dos casos que entram no sistema de defesa da concorrência, atualmente, ficarão de fora. Conforme simulações feitas pela SDE, nos períodos de atividade econômica aquecida, cerca de 800 casos são notificados ao órgãos de defesa da concorrência. Nos tempos de baixo crescimento, a média cai para uns 600 casos de concentração. Há mais fusões e aquisições quanto maior for o nível da atividade. Desse total, apenas uns 70 processos mereceriam, de fato, uma avaliação mais profunda e, desses, não mais do que 40 deveriam ser objeto de algumas restrições determinadas pelo sistema. Investimentos em "private equity", que formam uma boa parte dos casos hoje analisados, saem do foco com esse novo filtro, que passa a mirar apenas os casos cujo faturamento ocorre no país. Ao reduzir o universo de análise - e os estudos indicam que, portanto, apenas 10% dos casos de concentração serão avaliados em maior profundidade e 90% passarão pelo sistema de forma rápida, por não mais do que uns dois ou três meses - a meta do governo é ganhar em eficiência e liberar funcionários para cuidar mais dos processos de formação de cartéis.

Conselheiros do Cade terão mandato de 4 anos

A nova lei definirá os prazos de cada fase do processo de análise, que terão que ser rigorosamente cumpridos. Caso se perca o prazo numa das etapas, a operação estará automaticamente aprovada e segue para a seguinte. Haverá incentivos para que os advogados das empresas sob análise forneçam todas as informações relevantes de imediato. A prática hoje é de sonegar informações à Seae e à SDE e, ao final, afogar os conselheiros do Cade de dados, levando à demora de até dois anos para sair uma decisão, como ocorreu com o caso Nestlé- Garoto. Além da reforma das instituições, que vai eliminar eventuais confusões que existem hoje sobre o papel da cada uma - o que facilita a estratégia dos advogados - a nova legislação criará a possibilidade de o conselheiro relator do Cade, junto com o titular da SDE, negociarem um entendimento para que o caso não seja enviado a julgamento e, sim, submetido a um acordo de "desinvestimento parcial", evitando, assim, o plenário do conselho. Com esse arranjo, o Cade deixa de ser um tribunal, um conselho, e passa a ser " a autoridade de concorrência", com atribuições que percorrerão todo o processo, do seu início (a análise prévia da fusão e aquisição) ao julgamento final. Todos os conselheiros terão mandato de quatro anos - o dobro do que é hoje, e trabalharão pautados por três filosofias básicas; 1) ganhar agilidade e eficiência na análise prévia à operação de fusão e aquisição de uma empresa por outra; 2) liberar recursos humanos para entrar com maior rigor nos casos de formação de cartéis, que não é um tema trivial e que causa perda de produtividade geral da economia; 3) investir na formação do que os especialistas chamam de "advogados da concorrência", aptos a discutir e adotar condutas preventivas não apenas sobre casos concretos, mas quando as próprias regras que o governo edita produzem distorções no sistema econômico. Esse último é particularmente importante para tratar de uma área que hoje está meio que à margem da política da concorrência: a dos setores regulados. Hélcio Tokeshi, secretário de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda, explica que esse é um aspecto importante do projeto, que dará à Seae a tarefa de operar de forma preventiva em favor da concorrência. A secretaria continuará a fazer parte do sistema e terá que agir na promoção da concorrência, atuando antes que distorções regulatórias - seja nos setores regulados por agências, como energia, seja nos sujeitos a normas sanitárias ou a tarifas de importação, entre outros - dêem margem a práticas de condutas anticompetitivas. Para isso, pretende-se usar da experiência que os técnicos da secretaria detém na microeconomia para um trabalho preventivo junto aos órgãos reguladores. Exemplo do que deveria ter sido evitado preventivamente é o caso do monopólio do gás. A Petrobras tem acordos com vários Estados que lhe garantem a exclusividade na comercialização e na distribuição de gás por 30 anos renováveis por mais 30. Essa verticalização de comercialização e distribuição de gás desestimula novos investimentos e prejudica a concorrência. O Cade fez exigências pontuais para aliviar um pouco esse monopólio, depois que os contratos foram fechados com vários governadores. A idéia é que esses projetos tramitem em 2005 e entrem em vigor em 2006, quando também já estaria aprovado o projeto de lei que coloca o sistema bancário, e suas eventuais práticas anticoncorrenciais, sob o crivo do Cade.