Título: O poder da oligarquia petista impede mudanças
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 19/08/2005, Opinião, p. A12

Despejado do Poder Executivo e sob risco de uma cassação iminente de seu mandato legislativo, o ex-líder estudantil José Dirceu luta desesperadamente para não perder a sua última trincheira de poder, o Partido dos Trabalhadores. O ex-ministro e seu grupo têm dedicado seus esforços para desgastar a autoridade do presidente do partido, Tarso Genro, que assumiu a direção em meio à crise provocada pelas ações de seus antecessores. A carta de desculpas divulgada pelo PT é uma síntese das brigas de foice que tiveram como palco, nos últimos dias, o Diretório Nacional e a Executiva Nacional do partido. O documento atribui os erros à direção anterior, mas nomina apenas o ex-tesoureiro - que, ao que tudo indica, será o bode expiatório do Campo Majoritário. Ainda assim, o grupo conseguiu, usando de manobras regimentais, dar uma sobrevida a Delúbio Soares e adiar a decisão de afastamento dos envolvidos nos escândalos do caixa 2 do ex-tesoureiro. Embora aliado do Campo Majoritário, Genro, ao comprometer-se com as investigações e com a "lavagem de roupa suja fora de casa", traçou o seu destino. Ele hoje é o alvo do setor da facção liderada por Dirceu - que é, por sua vez, constituído por todos aqueles que, de uma forma ou outra, estão sob o risco de exposição pública ao longo do processo de investigação interna. Se render-se incondicionalmente ao ex-ministro, Genro perde o apoio das esquerdas. Se abandonar a presidência do PT, abre espaço para que Dirceu e companhia reassumam, de fato, o poder partidário - e da mesma forma, o PT acabaria perdendo o seu pedaço à esquerda. Sem compromisso direto com o grupo de Dirceu, o atual presidente consegue enxergar adiante: trabalha com a convicção de que rachar o partido agora seria condená-lo à morte antes que o eleitorado assim o faça; abrir mão das facções à esquerda seria afastar os que poderiam conferir ao PT um pouco da confiabilidade perdida, já que essa banda não esteve envolvida, ao menos diretamente, com escândalos que envolvem pilhas de dinheiro. Para Dirceu e seu grupo, no entanto, a perspectiva é outra. Expurgar os grupos de esquerda sempre esteve em seus projetos de poder. Tratava-se de consolidar a máquina partidária em torno de um único grupo ou de aliados incondicionais, reduzindo ao menor elemento os espaços para dissidências ideológicas e operacionais. Hoje, assumir completamente a máquina não é apenas um projeto de poder único sobre o partido, mas uma questão de sobrevivência. Tornar transparente a máquina significa trazer a público uma intrincada rede funcional e financeira que garantiu a hegemonia do grupo por mais de década. É complicar ainda mais a situação criminal de seus líderes. Perder a trincheira partidária é perder a última fatia de poder que pode garantir impunidade, ou ao menos punição menor aos implicados. Num golpe de mão, a maioria da Executiva, contra Genro e a minoria, conseguiu relativizar a disposição de parte dos novos dirigentes - e a exigência das esquerdas - de investigar a fundo e afastar culpados. A Comissão de Sindicância, usada no passado como instância punitiva de desvios "ideológicos", não chegou até os implicados: limita-se a Delúbio Soares, o escolhido para a crucificação. Aos demais suspeitos, a quem Genro e a esquerda pediam imediata abertura de processo disciplinar, com suspensão provisória por 60 dias, foi destinada uma "comissão investigativa" que terá também que investigar outras eleições. Isso confere agilidade de tartaruga às investigações. A queda-de-braço do núcleo dirigente anterior com o atual tem chamado a lembrança da obra do sociólogo Robert Michels. Em 1911 foi publicada a obra "Partidos políticos: um estudo sociológico das tendências oligárquicas da moderna democracia". Nela, o autor formula uma "lei de ferro das oligarquias", a partir de sua experiência como militante do Partido Social Democrata alemão, originalmente socialista. A oligarquia, segundo ele, é uma minoria militante com grande poder sobre a cúpula e a máquina do partido, conquistado pela habilidade e conhecimento da burocracia. A oligarquia petista, mesmo publicamente em xeque, ainda domina as variáveis que mantiveram o partido sob seu comando por décadas. Corre o risco de morrer abraçada à máquina, enquanto os divergentes, acuados por esse poder, procuram outras alternativas.