Título: A cláusula de barreira e a modernização eleitoral
Autor: José Matias-Pereira
Fonte: Valor Econômico, 19/08/2005, Opinião, p. A12

Proposta para diminuir o percentual mínimo de votos dos partido para 2% é inoportuna

A discussão sobre a reforma política volta a ocupar um lugar de destaque na agenda de mudanças estruturais do país, tendo como pano de fundo o agravamento da crise político-institucional, com risco de impedimento do presidente Lula, decorrente de indícios de pagamento de mesadas por ex-dirigentes do partido dos trabalhadores para inúmeros parlamentares votarem em favor do governo. "Reforma política" deve ser entendida como a forma que os mecanismos institucionais devem ter, em especial os mecanismos eleitorais e partidários, para a constituição de um regime político representativo capaz de atender as demandas da sociedade brasileira. O debate sobre esse amplo e complexo tema exige que sejam estabelecidos quais os itens mais sensíveis dessa reforma política. Em sua maioria são temas polêmicos como: a adoção do parlamentarismo, a implantação da cláusula de barreira, fidelidade partidária e o financiamento público das campanhas eleitorais. No caso do financiamento público de campanhas, deve-se ressaltar, para se viabilizar, necessita alterar o sistema eleitoral das listas abertas, para as listas fechadas. O sistema vigente de lista aberta permite que as campanhas para deputados federais, estaduais e vereadores sejam feitas pelos próprios candidatos, com recursos que eles mesmos obtêm, e não pelos partidos. O financiamento público das campanhas eleitorais pode ser visto como uma medida salutar para obstar a prevalência do poder econômico nas campanhas eleitorais, que tende a aumentar significativamente as possibilidades de eleição daqueles candidatos que dispõem de mais recursos financeiros e materiais. É fator inibidor, também, da busca de recursos junto a setores empresariais mais poderosos do país, entre os quais destacamos o sistema bancário, industrial, empreiteiras e concessionárias de serviços públicos. Essas ajudas, na sua maioria, são pagas pós-eleição, através de licitações públicas direcionadas, privilégios em concessões etc. Essas formas de compensações, onde se mistura o público e o privado, são geradoras e responsáveis por desvios e corrupção na administração pública. Estará presente nesta agenda a imposição da fidelidade partidária; a proibição das coligações para as eleições proporcionais; a restrição à divulgação das pesquisas eleitorais; acabar ou reduzir o horário gratuito de rádio e televisão concedido pela lei eleitoral aos partidos e candidatos; voto distrital puro ou misto; suplente de senador; voto facultativo; desproporcionalidade da representação dos Estados na Câmara, entre outros.

Dispersão partidária impede a formação de maiorias consistentes na votação de temas relevantes para o país

O nosso propósito neste artigo é analisar as implicações da adoção da cláusula de barreira ou cláusula de desempenho, definida na Lei nº 9096, de 1995. Nesse sentido, podemos sustentar que o legislador buscou com essa medida reduzir a quantidade de partidos políticos no país. Lembramos que atualmente o Brasil conta com 27 legendas ativas (registrados no Tribunal Superior Eleitoral), 2 em processo de elegibilidade e 1 em processo de legalização. Desse total de partidos, cerca de 80% são de agrupamentos partidários pequenos e inexpressivos politicamente, os denominados partidos nanicos, entre os quais aparecem desde legendas de aluguel até aquelas que aglutinam correntes ideológicas. Observa-se que a proposta de inclusão da cláusula de barreira na legislação partidária tem como fundamento o fato de que a presença de pequenas bancadas no Congresso e a dispersão partidária são fatores impeditivos da formação de maiorias consistentes para votação de temas relevantes para os interesses do país. A citada cláusula, que irá vigorar a partir das eleições de 2006, conforme define a Lei nº 9096, de 1995, exige que o partido que não obtiver 5% dos votos dados para a Câmara Federal não poderá ter representação parlamentar, participação no fundo de financiamento partidário e acesso ao rádio e à televisão. É uma cláusula amenizada, que não tem como propósito eliminar a representação. A adoção da legislação de 5% (considerando os dados das eleições de 2002), das atuais legendas partidárias, apenas PT, PSDB, PMDB, PFL, PP, PSB e PDT teriam alcançado as exigências de desempenho. A intenção de alterar a cláusula de barreira, conforme manifestada recentemente pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, reduzindo-a de 5% para 2% é preocupante. Entendemos que, caso a cláusula de barreira venha a ser reduzida, iria representar um retrocesso no sistema eleitoral brasileiro. A referida cláusula, caso venha a ser modificada, deveria ser para tornar-se mais rígida, e dessa forma funcionar, a exemplo do que ocorre nos países desenvolvidos, como uma cláusula de bloqueio. No amplo espectro de uma reforma política, fica evidenciado que a cláusula de barreira é uma medida essencial para o fortalecimento dos partidos políticos no Brasil. A manutenção de um sistema eleitoral proporcional, sem cláusula de barreira, manterá a excessiva fragmentação do quadro partidário, com a conseqüente multiplicação de "veto players" nas casas legislativas, com redução da eficiência do processo decisório dos parlamentos e, por decorrência, da execução das políticas de governo. Assim, a proposta de alteração da legislação para diminuir o percentual para 2% é inadequada e inoportuna, visto que o Brasil estaria caminhando no sentido contrário às melhores práticas político-partidárias no mundo. Isso nos permite argumentar que, a sua implementação na forma estabelecida pela Lei nº 9096, de 1995 - que impõe 5% - deve ser mantida. Essas restrições irão contribuir para a composição de maioria parlamentar no Congresso Nacional, necessária para permitir o fortalecimento das instituições e da governabilidade do país.