Título: Lições das CPIs sobre a corrupção no Brasil
Autor: Armando Castelar Pinheiro
Fonte: Valor Econômico, 19/08/2005, Opinião, p. A13

A corrupção está se tornando mais comum no Brasil? É impossível dizer. Como ocorre com outras atividades econômicas ilegais, como o tráfico de drogas e a prostituição infantil, não há dados sistemáticos sobre a prática da corrupção, pois os envolvidos têm interesse em manter as suas atividades em segredo. Além disso, as estatísticas disponíveis refletem tanto a prevalência da corrupção quanto a intensidade com que esta é combatida, e às vezes é difícil saber se é uma ou outra que está maior. Por isso, em geral se mede o grau de corrupção pela percepção das pessoas e empresas. Pesquisas desse tipo, realizadas antes das denúncias do mensalão, sugerem que a incidência de corrupção é alta no Brasil. Segundo a Transparência Internacional (TI), o país tira nota 3,9 nesse quesito, numa escala de 0 a 10, muito atrás da Finlândia, que lidera o ranking da TI com nota 9,7. Em pesquisa do Banco Mundial em 49 países em desenvolvimento, 67% das empresas afirmaram que no Brasil a corrupção é uma barreira séria ou muito séria à realização de investimentos, proporção só superada pelo Quênia e a Guatemala. Pesquisas de percepção não revelam, porém, os caminhos da corrupção. É isso que torna tão preciosos os dados levantados pelas CPIs e por que é crucial aproveitá-los para descobrir como fortalecer o combate à corrupção. Ao fazer isso, deve-se ter em mente que esta não reflete apenas um problema ético, mas é o resultado de decisão racional que depende da recompensa, do custo de operacionalização e da punição esperados pelos envolvidos. A tendência à corrupção varia diretamente com o tamanho dos favores que o corruptor espera receber do corrompido. A história ensina, e as investigações em curso confirmam isso, que essa recompensa está em geral associada a distorções criadas pela intervenção estatal na economia, gerando rendas monopólicas passíveis de apropriação por agentes privados. Um exemplo é a fixação pelo governo de um preço artificialmente baixo, levando a um racionamento da demanda que lhe dá o poder de definir quem será atendido. Isso já foi comum no Brasil, com as conseqüências previsíveis. É interessante observar, a esse respeito, que já se chegou a considerar que a corrupção podia ser um mal menor, por reduzir os prejuízos causados por políticas ineficientes. A visão que se tem hoje em dia é bem diferente. A corrupção não alivia os problemas, é ela que os estimula, já que para vender facilidades é necessário que haja dificuldades, que acabam por comprometer o desempenho econômico. Segundo Lord Acton, "o poder tende a corromper e o poder absoluto corrompe absolutamente". Uma das principais revelações das CPIs é exatamente o poder quase absoluto das autoridades, nos seus variados níveis, de arbitrar quem receberá os favores do Estado. Da decisão de em que banco depositar as reservas do IRB à solução de disputas corporativas de operadoras privadas de serviços públicos, tudo parece depender apenas da preferência de gestores indicados politicamente. Isso sugere que é baixo o custo de operacionalizar a concessão de favores indevidos às custas do contribuinte.

É necessário limitar os instrumentos de intervenção estatal na economia e a discricionariedade com que o governante os aplica

A sanção esperada por quem corrompe e é corrompido depende da probabilidade de ser pego e da punição imposta nesse caso. As investigações têm revelado a ainda reduzida eficiência das organizações de controle e fiscalização; não fossem as CPIs e talvez muitas irregularidades não fossem descobertas. A experiência atual também revela a importância da disputa política como mecanismo de fiscalização. Quanto mais concorrência houver entre os partidos, maior a chance de a corrupção ser descoberta. O arquivamento (depois revertido pela Justiça) da CPI dos Bingos demonstrou, neste sentido, como ainda são frágeis as garantias de que essa vigilância se efetue. O papel fiscalizador da Imprensa também tem sido, mais uma vez, crucial, evidenciando o risco de propostas que visam a cercear sua liberdade. É importante não apenas identificar os infratores, mas também puni-los. E as sanções não devem ser apenas formais, aplicadas pela Justiça, às vezes morosa: a sociedade também precisa punir diretamente quem corrompe ou é corrompido. Máximas como "rouba mas faz" deveriam estar mais profundamente sepultadas do que ocorre na prática. Pesquisa do Latinobarômetro mostra que 52% dos brasileiros acreditam ser possível livrar-se de uma punição subornando a polícia; 39% que é possível obter um contrato ou uma concessão do governo subornando um funcionário público; e 36% que se pode conseguir uma sentença favorável de um juiz subornando-o. Essas constatações mostram que o problema vai muito além do mensalão, e por isso é necessário mais do que uma "simples" reforma política para resolvê-lo. É necessário, por exemplo, limitar os instrumentos de intervenção estatal na economia e a discricionariedade com que o governante os aplica. Também se deve criar incentivos para que mais gente se interesse por fiscalizar o Estado. Por exemplo, na vigilância sobre os fundos de pensão das estatais, reduzindo a responsabilidade do Estado tanto pela sua administração como pelas perdas por má gestão. A privatização pode ser uma grande aliada nesses dois casos. Para 38% dos brasileiros, a corrupção nunca será eliminada (Latinobarômetro). Mas sem dúvida é possível torná-la menos interessante para quem a pratica. Nesse sentido, há muito a fazer e a aprender com outros países. Pode-se começar por pesquisar por que os órgãos responsáveis não perceberam tempestivamente os problemas revelados pelas CPIs. Também ajudaria criar índices nacionais semelhantes ao da TI para estados, capitais e grandes municípios. Institutos que realizam pesquisas com empresas poderiam fazer isso. O governo, nos seus vários níveis, também deveria engajar-se em programas de combate à corrupção como os promovidos pela OECD, com metas explícitas. Épocas de crise são também momentos de oportunidade, de identificar erros e corrigir rumos. Concluídas as investigações, o país deve se dedicar a fortalecer as instituições voltadas para fiscalizar a atuação estatal e combater a corrupção, em todos os níveis e de todos os tipos.