Título: China dará a palavra final
Autor: Pires, Luciano
Fonte: Correio Braziliense, 15/04/2010, Economia, p. 16

Intenção de incentivar a cooperação econômica e o comércio entre os Brics esbarra na resistência dos chineses em valorizar sua moeda

A pretensão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de estimular a cooperação econômica entre os países emergentes, especialmente envolvendo os Brics, pode estar recheada de boa intenções, mas a realidade que ele encontrará a partir de hoje, quando sentará com os líderes das nações que mais crescem no mundo, não será tão convidativa. Apesar de interesses comuns que unem Brasil, Rússia, Índia e China (Bric) (1), além da África do Sul, nada seguirá em frente sem que prevaleça a vontade dos chineses.

As discussões podem resultar em futuras ações conjuntas nas relações com a União Europeia, Estados Unidos e Japão. No entanto, analistas e acadêmicos ressaltam que o momento é ainda de promessas e sondagens, pois há mais pontos de divergência do que interesses comuns na pauta do encontro de líderes, principalmente no que diz respeito ao comércio exterior e à política cambial. Até o momento, a economia brasileira vem se favorecendo do aumento do comércio com os demais Brics, em especial com a China. Entre 2003 e 2007, as trocas comerciais com os parceiros passaram de US$ 10,7 bilhões para US$ 51,7 bilhões, numa elevação de 382%.

Assim como o Brasil, Rússia, África do Sul e Índia também são favorecidos pela voracidade da economia chinesa por produtos primários, mas ao mesmo tempo, acabam comprando, dos próprios chineses, produtos eletrônicos e manufaturados de maior valor agregado que se tornam baratos no mercado internacional porque a moeda chinesa, o yuan, estaria excessivamente desvalorizada. Com os mercados inundados de produtos made in China, os outros quatro países vêm perdendo competitividade.

Para Ivan Oliveira, economista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o Bric precisa mostrar a que veio, pois os países integrantes têm estruturas e políticas econômicas diferentes e até concorrentes. ¿Não se trata de pensar o que é o Bric, mas especular sobre o que pode vir de uma parceria do Brasil, único emergente de fato, com dois impérios ¿ o russo e o chinês ¿ e um país ainda muito fragmentado, que é a Índia¿, assinala Oliveira, que ontem coordenou um debate promovido pelo Ipea sobre o assunto.

Balança comercial

O economista chinês Zhang Yuyan, do Instituto de Economia Política Mundial da China, rebateu os argumentos favoráveis à valorização da moeda de seu país durante o seminário do Ipea. ¿Não tenho certeza se uma apreciação da moeda funcionaria. Nos últimos cinco anos, o yuan se valorizou em 21%, mas os desequilíbrios na balança comercial persistiram¿, assinalou, colocando em dúvida se, no caso da China, há vínculo entre a balança comercial e a política cambial. O economista lembrou o contexto de superação de uma crise internacional. ¿Economistas que estudaram a Grande Depressão dos anos 1930 afirmam que manter o câmbio estável ou imutável é crucial para a recuperação econômica¿, afirmou.

Para o representante no Brasil da Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (Cepal) das Nações Unidas, Renato Baumann, com ou sem valorização do yuan, o Brasil ainda precisará definir o que pretende fazer com o seu comércio internacional e passar a adotar políticas mais agressivas para favorecer as vendas externas. Segundo Baumann, enquanto o país não voltar a incluir a questão da inserção internacional como prioridade da política macroeconômica, continuará exportando basicamente minério de ferro e outras commodities.

1 - Mais dinâmicas BRIC é um acrônimo formado com as iniciais de Brasil, Rússia, Índia e China, os principais países emergentes do mundo. O termo foi criado pelo economista Jim O`Neill, chefe de pesquisa em economia global do banco de investimentos norte-americano Goldman Sachs. Num relatório que ganhou notoriedade, O¿Neill previu que essas quatro economias seriam as mais dinâmicas nas décadas seguintes, podendo superar as nações desenvolvidas até 2050.