Título: Ortodoxia extrema do BC eleva juro das LTNs
Autor: Luiz Sérgio Guimarães
Fonte: Valor Econômico, 19/08/2005, Finanças, p. C2

A alta geral verificada ontem nos contratos futuros de juros não foi uma mera "correção" destinada a adequar as previsões de CDI para os próximos meses ao paroxismo monetarista do Banco Central. Os juros dispararam no mercado futuro da BM&F, revelando que os investidores (bancos atuando para si e para clientes e gestores de fundos) de fato acreditavam na possibilidade de o Copom, subitamente reconciliado com a racionalidade econômica, cortar a Selic em 0,25 ponto percentual. Após a manutenção do juro nominal em 19,75% na véspera - o que implica automaticamente na ampliação do juro real já que a economia atravessa um processo deflacionário -, seria natural ao DI futuro já começar a embutir nos preços a perspectiva de desaperto monetário logo na reunião de setembro do Copom. Ou seja, os juros não deveriam ter subido tanto ontem. Deram saltos porque, além de estampar movimento de absorção dos pesados prejuízos, passaram a refletir a falta de previsibilidade contida nas próximas decisões do BC. Tudo, e qualquer coisa, pode acontecer no dia 14 de setembro, quando os integrantes do Copom voltam a se reunir. Já que não têm nenhum efeito positivo sobre o BC, os mais recentes números sobre a inflação também foram ignorados pelo DI futuro. O IGP-M conseguiu recuar de -0,36% na primeira prévia de agosto para -0,49% na segunda. E o IPC FIPE caiu de 0,19% na primeira quadrissemana para 0,07% na segunda. Insensível, a curva futura de juros sofreu inclinação para cima: quanto mais distante o contrato, maior a alta. O contrato para a virada de setembro para outubro avançou de 19,51% para 19,62%. O CDI previsto para a virada do ano subiu de 18,97% para 19,62%. E para janeiro de 2007 (troca de faixa presidencial) saltou de 17,78% para 17,95%. Se a rentabilidade da fatia da dívida pública indexada à Selic permaneceu inalterada, a porção prefixada ficou um pouco mais cara ontem. Os credores exigiram juros maiores do Tesouro para comprar suas LTNs oferecidas em leilão primário ontem. As taxas dos papéis vinham caindo semana a semana, em sintonia com a deflação. A intransigência monetária do BC encareceu a dívida pública. O lote de papéis prefixados a vencer em janeiro de 2007 foi, por exemplo, colocado por juro de 18,23%, quando saiu a 18,02% na semana anterior e a 18,198% no dia 2 de agosto.

Ressaca pós-Copom e boato azedam pregões

Como o BC não consegue encontrar razões para sorrir, o dissabor provocado pela ressaca pós-Copom não se limitou ao DI futuro, se espraiou por todos os segmentos. A Bovespa caiu 1,88%, já abaixo de 27 mil pontos (fechou a 26.899 pontos), o risco-país subiu 10 pontos, para 408 pontos-base e o dólar valorizou-se 1,10%, cotado a R$ 2,38. A alta do dólar teve um dedo adicional do BC. Ele fez ontem uma intervenção informal no mercado de câmbio. Não contente com o estrago provocado nas posições em juro futuros por seu exorbitante monetarismo, o BC induziu a alta registrada ontem pelo dólar comercial de forma sorrateira mas muito eficaz. De manhã, a mesa de câmbio do BC sondou, como quem não quer nada, os seus dealers para saber como estava o mercado, se havia fluxo e, como é normal, desequilíbrio pelo lado da oferta. Essa consulta extra-oficial desencadeou o temor de que, tal como fez há uma semana (quando Duda Mendonça distribuía petardos na CPI dos Correios), voltaria a realizar leilão formal de compra de dólares, justamente num dia de novo depoimento de Delúbio Soares e de rumores cujo alvo era o ministro Antonio Palocci. Ficou na ameaça, mas a alta do dólar já estava selada. A revisão para baixo da estimativa de compra de dólares diretamente do mercado pelo Tesouro Nacional, por meio do seu agente financeiro, o Banco do Brasil, não deve ser lida como sinal verde para a queda do dólar. A projeção de compras caiu de US$ 9,477 bilhões para US$ 8,996 bilhões porque não haverá mais este ano o pagamento de principal e juro relativo aos C-Bonds, já que foram trocados por novo papel. Pelos dados de fluxo cambial, os bancos calculam que o Tesouro já tenha comprado mais de US$ 9 bilhões este ano. E deve continuar comprando já que as operações do BB podem ser feitas com antecedência de seis meses em relação ao vencimento de dívida externa. De acordo com os economistas do CSFB, é alta a probabilidade de o Tesouro ter comprado moeda no início de agosto. O fluxo cambial referente aos 10 primeiros dias úteis do mês foi negativo em US$ 7 milhões porque as saídas de capital foram tão expressivas que anularam as entradas e o saldo comercial. E as operações do BB de compra de dólares para o Tesouro são contabilizadas como saída na conta financeira. Isso deve continuar acontecendo apesar de o Tesouro já ter garantido os recursos para honrar os compromissos de 2005. É que nesta altura do ano ele já pode comprar visando o serviço da dívida do começo de 2006. Pelos cálculos do CSFB, o limite de compras aumentou em julho e agosto em US$ 2,9 bilhões, já que foram incluídas as obrigações devidas em janeiro e fevereiro de 2006. O limite do Tesouro crescerá de forma significativa em setembro e em outubro, pois as obrigações de dívida externa totalizam US$ 892 milhões em março de 2006 e US$ 1,9 bilhões em abril de 2006. Mesmo que o BC não volte mais ao mercado de câmbio, as compras do Tesouro ainda exercerão um freio ao declínio do dólar.