Título: Palocci tem razão
Autor: Sérgio Leo
Fonte: Valor Econômico, 22/08/2005, Brasil, p. A2

Crítico costumeiro da política de câmbio e de juros do governo, o diretor-executivo do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), Júlio Gomes de Almeida, aproveitou, pelo menos como pessoa física, o real espantosamente valorizado, e tirou férias no exterior, neste mês. Partiu para Madri na sexta-feira, o que o impediu de participar, naquela noite, do jantar para o novo presidente do Instituto, Josué Gomes da Silva, com a presença do presidente Lula. Mas Júlio não se desligou da crise. Antes de viajar, o diretor-executivo do Iedi conversou, e muito, com grandes empresários, integrantes do Instituto, que jantariam depois com Lula, decepcionados e constrangidos, como revelou Guilherme Barros, na "Folha de S. Paulo". As conversas endossam a mensagem tranqüilizadora que o ministro da Fazenda, Antônio Palocci, tentou passar na oportuna entrevista coletiva de ontem. Há consenso no setor privado de que a economia poderá sofrer espasmos com uma eventual demissão do ministro da Fazenda, mas que tem saúde para enfrentar a contaminação da crise política que trouxe ameaças até ao emprego de Palocci, como o próprio ministro fez questão de deixar claro na entrevista de ontem. No setor privado, a paralisação de decisões de investimento seria o efeito mais provável da chegada da crise política às portas da Fazenda. Mas disso já se encarregaram os juros escandalosos do Banco Central, que intrigaram até o secretário do Tesouro dos EUA, John Snow, em visita recente ao país. Grandes empresários do Iedi não cortaram investimentos já em curso, mas levaram ao congelador os novos projetos, comenta Julio Gomes de Almeida. A contaminação da economia por crises e sobressaltos políticos segue roteiro-padrão: os problemas na política levam a uma fuga de investidores (e especuladores) para ativos de maior liquidez, investimentos param, a cotação do câmbio vai às alturas, o governo enfrenta dificuldades para administrar a divida pública, os juros são elevados, e a situação econômica se deteriora com rapidez. As chances de se repetir esse enredo, hoje, são muito pequenas, acreditam os empresários do Iedi. Parte dessa saúde pode ser atribuída à política econômica de Palocci - e da equipe que, segundo o ministro fez questão de ressaltar ontem, é composta de técnicos sem vínculos com o PT e sem ligação pessoal com ele. Até o Iedi festeja, hoje, a "responsabilidade" de Lula na condução econômica. "Falo da responsabilidade nos gastos, em matéria fiscal", esclarece Gomes de Almeida. "No câmbio e juros ele perdeu a oportunidade de ser mais ousado."

País está protegido contra fuga de capitais

Boa parte da resiliência econômica (para usar um anglicismo tão ao gosto dos economistas) também se deve, e muito, à situação excepcionalmente robusta da economia mundial, em que, além da locomotiva Estados Unidos, Índia e China crescem a todo vapor. Esse crescimento aquece a demanda por produtos que o Brasil exporta em grandes quantidades, como aço, ferro e alimentos, e estimula a criação de centros de produção das multinacionais nos países em desenvolvimento voltados à exportação de bens como automóveis e celulares, estrelas da pauta brasileira. A política excessivamente conservadora do BC impede que o Brasil tire maior vantagem dessa onda, que faz crescer outros países a taxas superiores a 6%, mas não anula totalmente seus efeitos positivos. Por isso tudo, Júlio Gomes de Almeida acredita que o mercado poderá mostrar que cobra um preço não tão alto pela eventual queda de Palocci, com a rasteira que levou de ex-auxiliares dispostos a jogar sobre ele um pouco da lama que se espalha em Brasília. "O governo têm oportunidade de combater a crise de confiança, e US$ 40 bilhões em reservas para proteger o valor da moeda", comenta Júlio Gomes de Almeida "As reservas internacionais hoje são de boa qualidade, baseadas na exportação; não são como aqueles US$ 70 bi fajutos que se evaporaram na crise russa". Coerente com sua atuação no Iedi, ele não vê problema se o dólar voltar a R$ 3,00. "Mas não pode passar muito disso; o governo não pode deixar que haja fuga de capitais violenta, ou que o dólar chegue a R$ 4,00". Seria um erro adotar algum controle de capitais agora, alerta ele. Afinal, pondera, há instrumentos suficientes nas mãos da equipe econômica contra um eventual ataque ao real. As acusações, rebatidas por Palocci ontem, de que até o tranqüilo ministro da Fazenda já administrou dinheiro de origem suspeita e teria endossado esquemas de tráfico de influência, devem ter impacto negativo, porém, sobre o esforço de manter uma "agenda positiva", à margem das CPIs. "Não há tranqüilidade no Congresso para isso", acredita o executivo do Iedi. É de se esperar que Palocci, pelo menos, tenha tranqüilizado o mercado financeiro.